Os truques das redes de fast food

Quem não se comunica, se trumbica, já dizia Abelardo Barbosa, o Chacrinha, um dos maiores comunicadores que o Brasil já teve. Afinal, a propaganda é a alma do negócio. Os truques das redes de fast food seguem à risca estes dois preceitos da propaganda e, com isto, elas conseguem aumentar seus lucros ano a ano, independente de em que pé esteja a economia do país em que estão instaladas (boa parte destas redes é multinacional).

Comunicar-se, no entanto, não significa necessariamente enganar. Os lanches comercializados pelas redes de fast food não são mais saborosos, nem mais bem acabados do que os oferecidos por muitas lanchonetes. Em muitos casos, acontece o contrário. Pequenos estabelecimentos podem oferecer sanduíches personalizados e com segredos de família, ao contrário dos padronizados e industrializados “combos” (combinações de vários itens com um único preço) das grandes redes.

Todos sabem que o abuso de hambúrgueres, batatas fritas e refrigerantes (mais de uma vez por semana e bem menos do que isto para crianças de cinco as 12 anos) é prejudicial à saúde. O excesso de calorias, de gordura saturada, de sódio, de açúcar, de proteínas compromete o coração, pulmões, rins e sistema digestório. Um combo tem em média 925 kcal (para adultos) e 630 kcal (crianças); o consumo diário recomendado para um homem adulto é de 2.500 kcal.

Outro aspecto importante: uma criança que se acostumar ao sabor fácil obtido especialmente com gorduras, açúcares e sal dificilmente aceitará frutas, hortaliças, tubérculos e legumes em suas refeições “normais”. É preciso educar o paladar para que hábitos saudáveis de nutrição se mantenham por toda a vida.

Todos sabem que os lanches oferecidos pelas redes de fast food não são saudáveis e, por isto, devem ser evitados ou, no mínimo, ter o consumo reduzido ao máximo. Saúde e alimentação andam lado a lado; quando uma tropeça, quase sempre a outra cai.

A oferta dos combos

É mais fácil pedir combos do que fazer pedidos avulsos. Pesquisas realizadas em diversos países demonstram que a ingestão de calorias aumenta com o pedido tão propalado pelos anúncios comerciais e pelo material de ponto de venda das redes de fast food (o primeiro truque).

Qualquer pessoa pode comprovar esta verdade: uma porção de fritas dividida entre um grupo nunca será equivalente ao consumo do mesmo produto apresentado em sedutoras embalagens individuais. Uma criança pequena dificilmente largará o copo, mesmo estando satisfeita (e até ansiada), até que as últimas gotas do refrigerante deixem de fazer sombra e os canudos aspirados voltem vazios à boca.

Ingerir um lanche simples, como um hambúrguer, obviamente é menos calórico do que o consumo de quem cede à tentação de dois, três ou mais hambúrgueres. Outros ingredientes (como queijo, bacon, molho, etc.) garantem mais recheio, sabor e aroma. O problema é que estas “bonificações” sempre antecedem a chegada de pneuzinhos no abdômen, culotes e celulite.

Para acompanhar…

O refrigerante mais conhecido do mundo – a Coca-Cola, lançada em 2006 – começou sendo vendido em copos de 200 ml. Apenas em 1959 chegou ao mercado brasileiro a versão “Família”, garrafa de 760 ml. Nos anos seguintes, surgiram as versões “Litro”, “Superlitro” (1,5 l) e hoje já existem embalagens pet com três litros.

Nas redes de fast food, o cliente pode “optar” por trocar um copo simples de 300 ml pelo de meio litro, promoção que aumenta o preço em apenas alguns reais. O truque está em “esquecer-se” de dizer que a dosagem de açúcar vai às alturas.

Não é perseguição à Coca-Cola: todos os refrigerantes são excessivamente doces, inclusive os de frutas (que pouco têm de laranja ou limão em suas fórmulas). Na altura de uma latinha de 350 ml, o açúcar ocupa 1,5 cm, em média. As opções light apresentam menores concentrações, mas compensam a perda da sensação de doce com a adição de sódio, fundamental à saúde em pequenas porções (5 g de sal, ou 2.000 mg de sódio, para pessoas saudáveis), mas desastroso quando consumido em excesso: pode provocar hipertensão arterial, sobrepeso e diabetes.

Imagem é tudo

Apenas a gordura das carnes usadas já é suficiente para abrir o apetite. O nariz percebe os cheiros e comunica esta informação ao cérebro, que imediatamente obriga um aumento da produção de saliva (precursor do processo de digestão). Quando são empregados aditivos químicos para “valorizar” a percepção, fica ainda mais difícil resistir a dar umas boas dentadas nos produtos oferecidos pela propaganda. Alias, já reparou que os anúncios das redes de fast food se concentram nos horários próximos às refeições?

Fast food, em inglês, significa “comida rápida”, mas isto nem sempre é verdade. Nos horários de grande movimento, os consumidores passam vários minutos na fila até que possam fazer o seu pedido. Enquanto isto, todos ficam expostos a maravilhosas fotos dos sanduíches, fritas, refrigerantes, milk-shakes, tortas doces, etc. A fome aumenta (quase sempre artificialmente, por estímulos psicológicos) e pedir por um número ou nome promocional (que engloba tudo e mais um pouco) fica mais rápido.

Afinal, quem tem fome tem pressa (mas quem cunhou esta frase, o sociólogo Herbert de Sousa, estava se referindo a pessoas que passam fome, não às que atendem ao desejo de comer mais do que o necessário).

As embalagens são chamativas, em cores vibrantes, muitas delas trazem anúncios de outros produtos “quase ao alcance das mãos”. Aliás, as cores berrantes das redes de fast food (e de outros estabelecimentos com grande rotatividade de clientes) têm um significado simples: “entre e não se sinta à vontade”. Em outras palavras, faça o que veio fazer e vá embora rapidamente. Nada de se demorar com um cafezinho ou mais alguns minutos de conversa ao final da refeição.

Uma informação para os viciados em fast food: os itens apresentados nas tentadoras imagens e filmes sobre as “delícias” de suas bombas calóricas quase nunca são feitos com os hambúrgueres & Cia: quase sempre são utilizados mockups, que são representações (no caso, em escala) artificiais para a produção publicitária.

Alimentos são rapidamente perecíveis e não podem resistir a horas de gravação. Além disto, boa parte dos produtos agropecuários não é “fotogênica”: um amador que tenha fotografado um churrasco sabe disto, eles parecem muito menos apetitosos do que são na realidade. Uma conhecida rede de pizzarias perdeu muitos clientes ao estampar, em backlights e outdoors fotos reais de seus carros-chefes. A solução, então, é substituí-los por modelos minuciosamente esculpidos, com mais brilho e cor, justamente porque não se trata de alimentos reais.

Os brindes

São muitos os distribuídos nas redes de fast food. Alguns não passam de apenas truques, como os recipientes descartáveis oferecidos como prêmios para as crianças. Outros são mais sofisticados, como a embalagem que se transforma em brinquedo ou em porta-copos (muito sedutor para motoristas que não sabem onde acondicionar as suas bebidas).

Os calendários promocionais também atraem especialmente as crianças: mobilizadas para as férias, o Natal, as festas juninas, elas arregalam os olhos ao ver que a caixinha do sanduíche está ilustrada com desenhos alusivos às suas datas preferidas. Funciona o mesmo com filmes e animações que estão fazendo sucesso nos cinemas.

“Responsabilidade social”

Receosos de uma avalanche de processos judiciais por prejudicar a saúde dos seus clientes, as redes de fast food tomaram uma providência para cuidar dos que “prestigiam” as lanchonetes com visitas frequentes: elas incluíram no cardápio a opção de saladas e frutas frescas como sobremesa. Isto quase equivale a dizer: “nós oferecemos, mas a escolha é sua”. Mas, em sã consciência, que criança, entre uma maçã e um sundae, vai escolher a primeira?

Com relação às saladas, identificadas com refeições saudáveis, muitas delas apresentam alto teor de gorduras, sal e açúcar. Em alguns casos, uma salada pode conter mais gordura do que um hambúrguer pequeno e um sanduíche de queijo (com molho), do que um sorvete com calda.

Um último truque: muitas redes de fast food utilizam datas especiais em que parte das vendas será destinada a reduzir a insegurança de crianças em determinado país (por causa de uma guerra) ou condição (uma doença grave).

Antes de correr para a lanchonete mais próxima adepta à promoção, vale ler os regulamentos (quase sempre apresentados em letras minúsculas). O percentual destinado às obras sociais é tão minúsculo, que dificilmente fará diferença na superação destes obstáculos, que se disseminam por todas as partes do mundo.