Sexo gay entre insetos

Para muitas pessoas, a homossexualidade é considerada uma prática antinatural. Talvez seja a hora de modificar alguns conceitos: na natureza, o sexo gay – e não apenas entre insetos – é muito comum. Os primeiros estudos sobre o tema polêmicos foram realizados há mais de cem anos: entre 1910 e 1913, o naturalista George Levick ficou tão impressionado com o que chamou de “depravação” dos pinguins-de-adélia, durante expedição para o polo Sul. Ele registrou episódios de estupro, abuso sexual contra filhotes, necrofilia e relações homossexuais generalizadas. O explorador nunca publicou suas observações, encontradas apenas em 2014.

Há também descrições de diversas práticas homossexuais entre outras aves e muitas espécies de mamíferos, como girafas, bonobos (nossos parentes próximos, com mais de 98% de coincidências no mapa genético) e carneiros, mas vamos voltar a tratar da vida sexual dos insetos.

Ao contrário das espécies mais complexas, que utilizam o sexo para impor submissão a outros machos do bando ou para garantir alianças e colaboração na caça e nos abrigos, aparentemente os insetos mantêm relações homossexuais por acidente.

A evolução dos insetos

A ciência demonstra que os insetos evoluíram durante milênios para acasalar o mais rapidamente possível. Algumas espécies de borboletas têm menos de 24 horas para deixar o casulo, encontrar um parceiro, botar seus ovos e morrer. Com toda esta pressa, alguns “equívocos” são cometidos no momento da escolha.

A presença do sexo oposto não é obrigatória para o namoro das libélulas, grupo que faz parte dos maiores predadores do mundo dos insetos. Pesquisas revelaram uma frequência expressiva de relacionamentos gays, tanto entre machos, como entre fêmeas. Entre as principais causas, estão a química e a falta de disponibilidade de parceiros na região.

Um grupo de biólogos da Universidade de Tel Aviv (Israel) e do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (Suíça) reuniu mais de cem artigos publicados sobre o assunto e concluiu que a homossexualidade é um fato biológico, mais comum entre machos. Outra causa provável é que o orgasmo não reprodutivo mantém mais frescos os estoques de espermatozoides. Mas talvez a explicação seja mais simples: insetos fazem sexo recreativo por pura diversão.

Isoladas em laboratório, mais de cem espécies de aracnídeos e insetos, como joaninhas, besouros e escorpiões, revelou um percentual de 85% da prevalência de relações homossexuais. O trabalho foi realizado pelas duas instituições de ensino acima citadas. Os cientistas Inon Scharf e Oliver Martin concluíram que o risco de rejeitar uma ocasião para acasalar com uma fêmea é maior do que acasalar por acidente com outro macho.

O sexo gay entre insetos é um paradoxo evolutivo. Na ânsia de encontrar o maior número possível de parceiros sexuais, eles negligenciam na seleção e mantêm relações não reprodutivas. O objetivo primordial no sexo, no entanto, é a transmissão dos genes e a consequente perpetuação das espécies.

Formas de comunicação

Uma das principais maneiras de os insetos se comunicarem entre si é a troca de substâncias químicas. Um macho que tenha imediatamente acasalado com uma fêmea pode ficar saturado por hormônios femininos e isto fatalmente atrai o interesse de outros machos.

O importante é gerar descendência a qualquer preço. Alguns besouros, além de sexo gay, também tentam copular com os mais diferentes objetos que tenham uma abertura minimamente semelhante à de um órgão sexual feminino, como garrafas. Parece que o slogan mais adequado aos insetos é: “a vida é curta; curta a vida”.

Algumas motivações são mais elaboradas. Diversas espécies de borboletas, mariposas e vespas usam o sexo gay simplesmente para afastar os rivais das suas parceiras. Animais saciados sexualmente deixam de procurar, ao menos temporariamente, a companhia de fêmeas. Alguns besouros transam com outros machos apenas para que eles transportem seu esperma em outra relação, desta vez com objetivos reprodutivos.

Há alguns problemas para os machos que assumem o papel de passivos em relacionamentos homossexuais. O primeiro é que eles perdem um tempo precioso, que poderia ser empregado, por exemplo, para caçar e, claro, encontrar parceiras. Também não existe compatibilidade anatômica entre machos da mesma espécie e ele pode ser ferido na tentativa de escapar. Por fim, ele pode se infectar com doenças venéreas, sem o benefício de ter espalhado seus genes.

Mais estudos

Qiao Wang e seus colaboradores, da Universidade Massey, na Nova Zelândia, descobriram que alguns besouros machos exibiam comportamento semelhante ao se depararem com machos e fêmeas: queriam copular a todo custo.

Quando um macho tentava sexo gay, o inseto se envolvia em uma sondagem complexa no seu próprio abdômen, até que conseguisse encontrar uma pequena abertura no abdômen do macho deitado debaixo dele. Os estudos sugerem que apenas neste momento ela se certificava de ter “errado o alvo”, sem conseguir escolher uma fêmea.

Outras espécies de moscas mantêm uma relação homossexual e imediatamente saem em busca de fêmeas para se relacionar. Nestes casos, se fossem humanos, haveria muito espaço para discutir de este parceiro não está com dificuldades para “sair do armário”.

Há também pesquisas que revelam uma mutação genética nas células cerebrais, levando alguns insetos a terem preferência por parceiros do mesmo sexo. Os estudos podem ajudar a esclarecer a homossexualidade entre humanos e outros animais superiores.

A maioria da comunidade científica, baseada nos estudos do sexo gay entre insetos e outros animais, já tem uma certeza: a homossexualidade se assenta em bases biológicas. Um gay e uma mulher não podem simplesmente “desaprender” o comportamento homossexual; muito menos, se pode falar em cura gay, seja por terapias, seja por tratamentos espirituais.

Semelhanças e diferenças

É muito difícil identificar o sexo de um inseto apenas pela aparência. Em muitas espécies, não há diferenças no fenótipo. Mas apenas a dificuldade de identificar uma fêmea não é suficiente para justificar o grande número de relações homossexuais. A confusão de identidade com certeza não explica a conduta de uma mosca habitante das margens dos canais ingleses.

Os machos voam sobre as plantas e identificam oportunidades de sexo com fêmeas de outras espécies e mesmo com manchas nas folhas. A espécie tem um rito de acasalamento bastante elaborado: o casal permanece voando para frente e para trás por mais de 15 minutos. Se a fêmea não se mostrar receptiva nestes momentos, o macho vai embora e não a incomoda mais.

Quando um macho monta em outro macho, a resistência deste último é acirrada, mas o dominante se agarra às costas do parceiro improvisado e dificulta bastante os seus movimentos. O parceiro ativo, como se pode perceber, está realmente interessado em garantir um companheiro do mesmo sexo.

Em 2006, o Museu Natural de Oslo, capital da Noruega, criou a primeira exposição destinada à apresentação de animais gays. A mostra foi batizada de “Against Nature?” (contra a natureza?) e exibiu 1.500 relatos de episódios comprovados de homossexualidade no mundo animal, de mamíferos a insetos e crustáceos.

Uma dúvida persiste, no entanto: se a homossexualidade não gera filhos, por que o percentual de homossexuais (calculado entre 2% e 10% da população) não se reduz ao longo de nossa história evolutiva, considerando a teoria da evolução e da seleção natural, nascida no século XIX?