Devo assumir ser gay no trabalho?

Até a década de 1970, assumir ser gay no trabalho – ou em qualquer outra situação social – não era ponto de discussão: os homossexuais simplesmente ocultavam a orientação sexual para familiares e colegas de trabalho, revelando a sua condição apenas para amigos íntimos. Felizmente, esta situação está mudando e os gays e lésbicas estão conquistando vários direitos básicos.

No entanto, em muitas empresas – na maioria delas, na verdade –, os gays e lésbicas podem ser excluídos do quadro de pessoal ou, na melhor das hipóteses, têm que conviver com piadinhas e indiretas durante o expediente. Desta forma, assumir ser gay no trabalho é uma atitude pessoal e intransferível, diretamente vinculada à estrutura psicológica de cada pessoa.

Ninguém deve assumir a sua sexualidade em um local – neste caso, no trabalho –, se isto for uma fonte de sofrimento que se renova de segunda a sexta-feira. Não é covardia: covardia é deixar de fazer alguma coisa que podemos fazer. Assumir ser gay em um ambiente francamente homofóbico pode redundar inclusive em agressões verbais e físicas.

A união estável homoafetiva, garantida há alguns anos pelo Supremo Tribunal Federal (que corrigiu a omissão do Congresso Nacional, em que dormem engavetados diversos projetos que versam sobre o casamento gay ou lésbico há cerca de 20 anos), permitiu maior visibilidade e aceitação aos homossexuais, mas o preconceito – e as ameaças – continuam. De certa forma, a conquista de direitos até aumentou o número de agressões.

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Devo me assumir gay na empresa que trabalho?

Com relação a se assumir gay, o cenário das empresas tem mudado muito nos últimos dez anos, mas isto não significa que as organizações estejam se preparando para a diversidade sexual entre os seus empregados. Diante de uma situação mais favorável, surgem duas questões: o preconceito acabou? Em caso positivo, assumir ser gay no trabalho traz algum benefício pessoal.

O primeiro benefício a ser anotado é: “sou gay e pronto”. Gosto de homens ou de mulheres e ninguém tem nada a ver com o que eu faço entre quatro paredes. Assumir a própria sexualidade determina inclusive melhor produtividade no trabalho. Ninguém faz piadas abertas quando alguém é assumido – especialmente se for o chefe.

As empresas disputam talentos e, nesta disputa, já perceberam que não podem dispensar bons profissionais por nenhuma razão: sexual, religiosa ou étnica. Quem se destaca em determinado setor é bem aceito em qualquer corporação. As multinacionais encabeçam o movimento e determinam a contratação – e a convivência no dia a dia – sem grandes problemas.

Em um mesmo ambiente, passaram a conviver pessoas diferentes. A presença cada vez maior das mulheres no mercado de trabalho é prova disto. Estrangeiros, com idiomas, culturas e tradições diferentes, também comprovam que a diversidade amplia as condições de negócios – e, portanto, aumentam a lucratividade das empresas.

Isto não acontece, no entanto, com pessoas de pouca qualificação profissional. Assumir ser gay no trabalho em uma ocupação na linha de produção ou como balconista de uma loja é bem mais difícil. Surge a pressão de colegas e superiores.

O mercado consumidor gay

As pessoas também estão interessadas nos consumidores gays. Estima-se que 18 milhões de brasileiros são gays, lésbicas, travestis e transgênero – mais do que toda a população do Chile – e, de acordo com a consultoria Insearch, os homossexuais consomem 30% a mais do que os heterossexuais.

A maioria dos gays, ao menos no Brasil, não é casada, nem tem filhos. Nesta condição, eles são mais disponíveis para baladas e viagens. Desta forma, podem consumir mais. Mas os casais homossexuais com filhos apresentam menos níveis de separação e também compram mais itens para os filhos (adotados ou não).

Em outras palavras, o público LGBT é um grupo de excelentes consumidores e demanda atendimento específico: pessoas que entendam suas necessidades e desejos e as transformem em produtos e serviços. E nada melhor do que um gay para entender outro. Não é regra, mas também não é exceção.

A discriminação aos gays

Infelizmente, o preconceito ainda não desapareceu. Pelo contrário, ele continua firme e forte, e as estatísticas demonstram isto. Os homicídios de gays, lésbicas e travestis, em 2014, aumentaram em 31% em relação ao ano anterior, atingindo 260 casos, de acordo com informações do Grupo Gay da Bahia. O número pode ser bem maior, já que muitas ocorrências são registradas sem menção à orientação sexual das vítimas.

Com menos prejuízos, os homossexuais continuam recebendo agressões verbais, na forma de piadas, indiretas e mesmo em discussões objetivas. As situações desgastantes acontecem inclusive em família, mas são mais comuns no trabalho e no convívio social.

Enquanto isto, pessoas públicas brasileiras alimentam o ódio homofóbico. Os deputados federais Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Marcos Feliciano (PSC-SP) seguem distribuindo declarações polêmicas contra a identidade homossexual e contribuindo para a discriminação.

Isto é um crime. Uma determinada igreja, em seus templos, pode aconselhar seus fiéis a abandonar a homossexualidade ou abster-se do sexo:
é uma questão de foro íntimo acatar ou não os conselhos recebidos pelos clérigos. Em público, no entanto, não se pode criticar nenhuma pessoa por questões de etnia, sexo, procedência nacional ou cor da pele: esta é uma das cláusulas pétreas da Constituição brasileira.

O site brasileiro www.trabalhando.com fez uma pesquisa que utiliza os seus recursos regularmente. Para 400 executivos brasileiros, o preconceito contra os gays continua existindo, mas não é assumido. 54% das empresas concordam com esta afirmativa. Para 38%, contratar um homossexual ou não depende da área de atuação e do cargo a ser ocupado.

Como assumir minha opção sexual?

Se a decisão – individual e intransferível – for por assumir ser gay no trabalho, psicólogos orientam a procurar primeiro os colegas mais próximos. Apesar de ser uma condição natural, estabelecida ainda durante a gestação, muitos homossexuais sentem a necessidade de aceitação por parte dos parentes e amigos.

Todas as empresas são homofóbicas, porque a sociedade brasileira é homofóbica – e são justamente os seus membros que constituem as empresas. Em todos os casos, o melhor a fazer é sentir o ambiente de trabalho antes de se decidir a “sair do armário”. Não é preciso fingir ser heterossexual (isto seria desonestidade): basta não comentar sobre a vida íntima.