As “leis” da auto ajuda

Leis da felicidade, leis da vida serena, leis do universo, leis do amor. Na verdade, nenhuma delas funciona. Como já disse o articulista José Simão, não existe livro de autoajuda que nos faça parecer a Gisele Bündchen quando temos de acordar às 5h da manhã.

Cada autor relaciona seus próprios fatos sobre as normas que regem o universo. O mercado de autoajuda é um filão bastante rentável no mercado editorial. Os livros também podem versar sobre anjos – com nomes cabalísticos, que agregam elementos religiosos, míticos ou simplesmente inventados (o “meu” anjo é protetor da agricultura, como se isto fosse útil para alguém que mora em uma metrópole).

Alguns autores criam fábulas sobre animais, em uma possível alusão à astrologia chinesa. As constelações são sempre citadas, apesar de elas não existirem de fato: povos antigos acreditaram ver desenhos no céu noturno. A constelação de Órion, por exemplo, é formada por uma nebulosa e por diversas estrelas: as mais famosas são chamadas de “Três Marias”. Elas ficam a quilômetros de distância umas das outras, mas foram consideradas o cinturão de Órion pelos gregos antigos.

Órion foi um grande caçador, de acordo com a mitologia grega, amado pela deusa Ártemis. Apolo, o irmão da deusa, não concordava com o romance e enviou um escorpião para matar o caçador. Enquanto este fugia, o deus do Sol propôs um desafio para a irmã que, sem querer, acertou o ser amado. Ártemis implorou a Zeus, o rei dos deuses, que enviasse Órion e o escorpião para o céu. Assim teriam nascido as duas constelações.

O escorpião faz parte do zodíaco, uma faixa imaginária do firmamento celeste – a eclíptica, ou o caminho do Sol –, que inclui o movimento aparente da Lua e dos planetas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, além das constelações dos 12 signos do horóscopo ocidental. De acordo com a União Astronômica Internacional (UAI), existe um 13º grupo de estrelas, Ofiúco.

Em 1930, a união definiu esta constelação, que rege o período entre 30 de novembro e 17 de dezembro. Ocorreu um “delay” entre as primeiras previsões astrológicas (na Babilônia, no século VI a.C.) e os dias atuais: Áries, o primeiro signo, teve um atraso de 21 de março (o dia do equinócio da primavera no hemisfério norte) para 19 de abril. É provável que Ofiúco não fosse visível a olho nu.

Verdades e verdades

As “leis” de autoajuda variam ao bel prazer dos autores que exploram este gênero. Ao contrário das leis da Física, por exemplo, que estabelecem os fatos da mecânica, óptica, dinâmica, gravidade, etc. no século XVII, só contestadas no início do século XX pela Teoria da Relatividade – e apenas para os órgãos infinitamente grandes ou infinitamente pequenos – cada autor define as suas próprias normas.

Os leitores precisam aceitar as regras e seguir o passo-a-passo, que pode ser a crença em anjos, em alienígenas, na influência dos astros e muitas outras “leis” que regem a humanidade. Mesmo quando são travestidos de religião, os livros de autoajuda apenas descrevem lugares comuns. É o jeito fácil de tentar ser feliz.

O problema talvez começa exatamente aí: não existe jeito fácil de ser feliz. Para tanto, é preciso um mergulho profundo em si mesmo e não são muitas as pessoas dispostas a este exercício de autoanálise. É mais fácil acreditar em fadas e duendes, capazes de trazer a felicidade automática.

Os livros de autoajuda são contraditórios: ao lado de “você é exatamente aquilo que atrai”, é colocado outro aforismo: “o universo conspira a seu favor”; “você é responsável pelo seu destino”, ao lado de “tudo está escrito nas estrelas”. Os autores não conseguem se definir sobre o livre arbítrio: às vezes, ele existe, às vezes, um ser superior e bastante arbitrário toma todas as decisões sobre a nossa (in)felicidade.

Conhecendo-se

“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Esta frase está registrada no Evangelho segundo João (8:32) e é bastante semelhante a uma oração do filósofo grego Sócrates, pronunciada 400 anos antes e anotada pelo discípulo Platão: “conhece-te a ti mesmo”.
Para fazer um exercício de autoconhecimento, é importante responder a algumas perguntas – e estas respostas precisam ser convincentes. Em primeiro lugar, é preciso entender como o mundo funciona e como viver nele.

Os seres humanos tendem a ser benévolos, quando se trata de autoanálise (“sou, mas…”). Em contrapartida, são sempre muito rigorosos na avaliação do outro. A segunda pergunta depende de muita coragem: “o que eu tenho de melhor?”.

Talvez este seja o segredo de sucesso das “leis” de autoajuda: nós não queremos nos avaliar. Sabemos exatamente onde estão os nossos vícios e defeitos, mas queremos uma saída mais fácil. Conhecer-se e reconhecer-se é fundamental para o crescimento pessoal, mas quase sempre preferimos permanecer apenas na superfície, na contramão do autoconhecimento.

Trabalhar as habilidades e qualificações é importante. Não sabemos tudo e sempre temos condições de aperfeiçoar nossas qualidades. Também precisamos aprender que temos limitações: teimosia, impaciência, irritabilidade e mesmos alguns preconceitos são inerentes à nossa natureza – e é melhor admiti-los, para podermos corrigi-los.

Algumas pessoas são dotadas para vivenciar grandes emoções, outras para trabalhar com o raciocínio analítico. Temos de identificar onde trabalhamos melhor: ciências, artes, humanidades, culinária, no balcão de uma papelaria ou recolhendo o lixo urbano. Não existem profissões piores, apenas profissões em que não conseguimos produzir da melhor forma possível.

É importante encontrar o caminho certo e dar o melhor de nós mesmos. Sem autoajuda – ou melhor, com a nossa própria ajuda. Não precisamos de fórmulas para encontrar a felicidade. Aliás, a felicidade é um caminho, não é um objetivo.