Por que o voto no Brasil é obrigatório?

Durante muito tempo, o voto foi uma conquista a ser perseguida. Na época do Império, só tinham este direito as pessoas que fossem “homens bons da terra”. Por bons, entendiam-se os católicos, casados, “com cabedal e pureza de sangue”. Em outras palavras, apenas a elite tinha direito. O voto não era obrigatório, mas as eleições eram um processo dos mesmos para os mesmos.

O voto no Brasil é obrigatório porque isto é conveniente para os grupos políticos que se encastelam no poder, em qualquer esfera. São realizadas manobras para que as investigações sobre maus feitos com o dinheiro público sejam sepultados, os governos em diferentes níveis controlam a publicidade e as verbas governamentais milionárias para inserção de anúncios na TV, rádio, jornais, revistas e internet são fortes “colaboradores” para manter a imprensa domesticada.

Um pouco de história

Com a outorga da primeira constituição, em 1824, a participação nas eleições (em dois turnos) restringiu-se aos cidadãos que pudessem comprovar renda anual de cem mil réis, importância considerável para um país em que metade da população era constituída por negros escravizados (excluídos do processo, juntamente com as mulheres). Este grupo não elegia os representantes, apenas o colégio eleitoral que elegeria deputados e senadores.

Este critério permaneceu até 1882, quando emendas à Constituição permitiram o voto para todos os homens alfabetizados, sem necessidade de comprovação de renda. A interdição dos analfabetos foi confirmada com a proclamação da República, o voto no Brasil de tornou obrigatório. Mesmo assim, não era um direito universal. As mulheres continuavam excluídas: os homens precisavam ao menos saber assinar o nome. Os analfabetos só conquistaram o direito ao voto em 1985, através de uma emenda constitucional.

Na verdade, não havia nenhum dispositivo legal que impedisse o voto feminino, mas tampouco havia qualquer artigo que permitisse o acesso das mulheres às urnas. Durante a República Velha (1889-1930), cada Estado definia suas próprias regras eleitorais (inclusive o calendário), o que gerava muitas dúvidas para os votantes, menos de 10% da população.

Até o primeiro golpe de Getúlio Vargas (derrotado nas urnas por Júlio Prestes, mas empossado à força), o voto no Brasil era nominal. Em vez de assinalar o seu candidato em uma cédula, os eleitores declaravam o voto em voz alta para os mesários. Isto gerou o fenômeno do coronelismo: latifundiários arregimentavam tropas de eleitores e mantinham “olheiros” junto às urnas eleitorais para garantir que colonos e pequenos lavradores escolhessem o “candidato do fazendeiro”.

Por outro lado, Getúlio Vargas criou, em 1932, a Justiça Eleitoral. Até então, a fiscalização era realizada pelos próprios políticos. O voto feminino foi finalmente aprovado, mas não era obrigatório para ”mulheres dependentes dos maridos” (que teoricamente seriam responsáveis pela escolha dos candidatos).
Durante o Estado Novo (período ditatorial entre 1937 e 1945), porém, as restrições ao voto retornaram com força total: o presidente-ditador nomeava os governadores de Estado (os interventores) e prefeitos de algumas cidades consideradas estratégicas.

O golpe militar

Depois de um período democrático relativamente estável, com as administrações de Eurico Gaspar Dutra, segundo período de Vargas e de Juscelino Kubitschek (1946-1960), as gestões conturbadas de Jânio Quadros e João Goulart geraram condições para o golpe militar de 1964.

Em menos de uma semana de regime militar, no início de abril daquele ano, o Ato Institucional nº 1 (AI-1) restaurou as eleições indiretas para presidente, governadores, prefeitos de capitais, estâncias hidrominerais e outras cidades consideradas estratégicas. Mais de 200 parlamentares de oposição foram cassados. O AI-2 cancelou as eleições previstas para 1965 e instituiu o bipartidarismo:
sobreviveram a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), de situação, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), oposicionista.

A cada vitória da oposição nas urnas, porém, a ditadura militar mudava as regras. Em 1977, por exemplo, face à iminente vitória do MDB nas eleições proporcionais, o presidente-ditador Ernesto Geisel baixou o Pacote de Abril, que, entre outras providências, determinava a nomeação, pelo governo federal, de um terço dos senadores que deveriam ser eleitos em novembro de 1978 (o pleito renovaria dois terços dos representantes dos Estados). O resultado prático foi que o MDB ganhou, mas não levou; a ARENA se manteve majoritária na Câmara Alta.

A crise econômica, acompanhada pela inflação alta (o índice ultrapassou os 100% anuais em 1980), finalmente permitiu a redemocratização do país (lenta, gradual e bastante restrita). O país conseguiu aprovar a Lei da Anistia, e, por fim, o pluripartidarismo, com a criação do PDS (de situação), PMDB, PT, PDT e PTB (entre 1981 e 1982), que participaram do primeiro processo eleitoral direto em 1982 depois de décadas: as eleições para governadores.

As capitais, estâncias hidrominerais e cidades consideradas estratégicas só reconquistaram o direito ao voto direto em 1985. Pouco antes, em 1984, o país de mobilizou para exigir “Diretas Já” para presidente. Não adiantou: a emenda votada no Congresso Nacional não obteve os votos necessários e, na eleição presidencial indireta daquele ano, Tancredo Neves foi indicado pelo Colégio Eleitoral, formado por congressistas e alguns representantes dos Estados, como presidente do Brasil.

O “velho mineiro”, no entanto, não chegou a tomar posse. Vítima de complicações de uma diverticulite, Neves morreu poucos dias antes da transferência de poder (finalmente, de um militar – João Batista Figueiredo – para um civil. Em seu lugar, assumiu o candidato a vice-presidente, José Sarney, recém-convertido à oposição (meses antes, Sarney, vinculado ao PDS, era presidente do Senado e do Congresso Nacional).

As eleições diretas para presidente da República em dois turnos só foram retomadas em 1989, graças à promulgação da nova Constituição Federal, promulgada um ano antes. Polarizaram o segundo turno os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Collor de Mello (PRN, já extinto), com a vitória do segundo.

Collor de Mello foi impedido do exercício da Presidência em 1992 (atualmente, é senador da República por Alagoas e aliado dos antigos adversários petistas). Mesmo com estas idas e vindas, o regime democrático conseguiu se manter, com as eleições de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

De volta às eleições

O voto obrigatório no Brasil continua obrigatório. Os partidos políticos se multiplicaram à exaustão. Atualmente, o Tribunal Superior Eleitoral permite o funcionamento de 32 agremiações. A maioria delas, no entanto, não representam ideologias ou ideias diferentes e, em última análise, não teriam razão para existir.

Além disto, muitas delas não possuem representação no Congresso Nacional e há partidos que foram formados sem definir se eram contra ou a favor do governo central. Alguns dos partidos conseguiram a proeza de ser oposição nos Estados e situação na União.

Então, por que o voto no Brasil continua sendo obrigatório? Porque interessa a alguns grupos mais interessados a um projeto de poder do que a um projeto de promoção social e de consolidação das instituições políticas.

Qual é a solução, então? Ela passa pela mobilização da população, para exigir uma reforma política que reduza a proliferação maligna dos partidos políticos, pela exigência do cumprimento de direitos básicos (como a renda mínima, que não pode ser entendida como um favor dos governos) e pela revogação da obrigatoriedade do voto.

A classe política não irá defender estas bandeiras. É preciso se mobilizar. O direito ao voto já foi fundamental na história do país; estamos no momento de pleitear o direito ao “não voto”.