Mitos que podem matar

Todos nós, assim como a TV e cinema e, mais recentemente, a internet, perpetuam lendas incríveis, como aquela história sobre comer manga com leite. Até aí, tudo bem, menos para os plantadores de mangueiras e indústrias de laticínios. O problema começa quando simplesmente transmitimos conceitos estranhos: são os mitos que podem matar.

O escritor americano Neil Strauss publicou recentemente a obra “Emergency: This Book will Save your Life” (sem tradução no Brasil; o título significa Emergência: Este Livro Salvará a sua Vida). O texto, bem humorado, está recheado de situações raras, mas que, se resolvidas com os mitos ouvidos por nós desde a infância, podem realmente matar.

Água, dona da vida

O primeiro mito é sobre estar perdido em um deserto, sem água. O senso comum afirma que, se encontrarmos um cacto, poderemos saciar nossa sede e melhorar as nossas chances de sobrevivência. Isto é fato para algumas espécies da planta, mas outras são tóxicas e podem provocar cólicas e vômito.

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O vômito só fará piorara situação: a desidratação aumentará, especialmente porque, estando perdidos, não haverá muitas ferramentas para abrir a planta, sobrando apenas algumas gotas amargas. O melhor a fazer é não se perder no deserto e aproveitar o suco de cacto, bastante benéfico para a saúde, desde que quem fizer o preparo tiver conhecimentos de botânica.

Soco certeiro

Se de repente você se deparar com um tubarão, não hesite: meta um belo soco no focinho do peixão, nosso inimigo natural. Vamos por partes: o tubarão não é nosso inimigo. Não existem inimigos na natureza, apenas presas e predadores. Este é o motivo por que os roedores têm dezenas de filhotes e cada parto, enquanto os predadores, apenas um ou dois. O “excesso de produção” serve justamente para alimentar os grandes caçadores da natureza.

Quanto ao soco, é melhor pensar duas vezes: um tubarão não se aproxima de um ser humano com objetivos de caça. Ele pode até provocar ferimentos fatais, mas isto é outra história: é a curiosidade que o faz abocanhar a perna de um surfista. No entanto, atacado, mesmo que não tenha sentido quase nada, ele vai agir como qualquer outro animal (inclusive o homem): revidando.

Se estiver armado com um arpão, golpeie-o nos olhos ou nas brânquias, para as chances serem maiores. O melhor a fazer, no entanto, é tentar escapar – ou não mergulhar em águas que são hábitat do tubarão, inclusive aquelas para onde eles migraram depois que certo membro da natureza começou a destruir as áreas de mangue, maternidades e locais de caça de muitas espécies.

Em caso de choque…

… Desligue o aparelho imediatamente. Definitivamente, não. É muito provável que o choque elétrico tenha sido causado por algum fio desencapado ou componente em curto-circuito, e o motivo do acidente continua bastante ativo.

A solução é correr para o quadro de força, desligar o disjuntor e só depois partir para o socorro. Isto vale para a imensa maioria dos mortais: para quem não é treinado em primeiros socorros, a primeira providência é ligar para o serviço de emergência e, se for o caso, seguir as instruções dos técnicos. Com calma: muita calma nesta hora.

Frio, muito frio

Durante uma escalada malsucedida, por exemplo, os alpinistas podem se ver em maus lençóis, tendo que enfrentar problemas com a alimentação. Aí, chega o doutor sabe-tudo e sentencia: nestes casos, é possível sobreviver comendo gelo e neve.

Ledo engano. A temperatura da água congelada leva a uma hipotermia, que só faz abreviar a morte. Na melhor das hipóteses, o gelo pode congelar o esôfago, impedindo a deglutição. Uma solução, depois do final do estoque de víveres, seria recolher um pouco de gelo, esperar que derreta e beber a água, com muita moderação.

Objetos estranhos

É preciso remover imediatamente uma arma com que você tenha sido atacado, como uma faca ou espada, por exemplo. Este é mais um erro da coleção. A não ser que o objeto de agressão esteja bloqueando as vias aéreas (você vai perceber os sinais inequívocos de asfixia), deixe-o onde estar.

Vasos sanguíneos importantes podem ter sido perfurados no momento do ataque e a arma, nestes casos, faz as vezes de agente estancador: ela impede uma severa hemorragia. O melhor a fazer é não permitir que o objeto se movimente no corpo da vítima, para não causar danos ainda maiores. E, claro, chamar a polícia com urgência.

Botes certeiros

As cobras não foram criadas para causar danos aos seres humanos, apesar de algumas lendas e mitos que insistem em permanecer, mesmo em tempos de racionalidade. Basta observar o animal: por mais longo que ele seja, é muito esguio e qualquer pisada mais forte pode causar ferimentos sérios na sua coluna vertebral, causando a morte. A exceção fica por conta dos boídeos (jiboias, sucuris e pítons), mas eles não são peçonhentos.

Seja como for, em uma caminhada no mato, é possível sofrer acidentes com elas. O mito, aqui, diz para sugar o veneno ou fazer um corte em cruz sobre a picada, para que o material tóxico escorra para fora do corpo. Sugar a peçonha não vai impedir que ela entre rapidamente em contato com a corrente sanguínea (basta conferir: o sangue já está presente no local, pronto para cumprir suas funções de defesa e de cicatrização do corte).

Além disto, aftas, gengivites e cáries se tornarão portas naturais para a entrada do veneno no organismo do socorrista: assim, serão dois acidentados. Com relação ao corte em cruz, é mais uma invenção estapafúrdia de gente sem serviço. Procure socorro médico imediatamente e, caso a picada tenha sido nos braços ou pernas, faça um torniquete um pouco acima da lesão. Para os religiosos, está na hora de invocar a proteção de suas devoções.

Em tempos de reinvindicações violentas…

Se uma bomba for detonada, ligue imediatamente para 190 (o telefone de emergência da Polícia Militar). Não faça isto: celulares e mesmo telefones fixos podem funcionar como detonadores de um possível explosivo secundário.

Verifique se há vítimas em condições de ser afastadas do local e só chame a Polícia ou os Bombeiros quando estiver a quatro quadras do local de explosão, o chamado perímetro de segurança. Um herói morto não serve para muita coisa, não é mesmo?

A terra treme

O melhor local para se proteger durante um terremoto ou vendaval é embaixo de uma mesa um de um batente, certo? Errado. Arquitetos europeus do século XIV já sabiam disto. As construções mais resistentes são feitas em forma de abóbada (como as cúpulas das catedrais medievais, ainda em pé depois de muitas guerras).

O motivo é simples: a estrutura em formato de triângulo está sempre cedendo. Em caso de emergência, encontre um lugar semelhante a este, com espaço para formar um bolsão de ar, caso tenha que passar alguns dias antes de ser resgatado. Mesas e batentes de portas vão ao chão assim que um teto ou telhado não consegue resistir à pressão.

Andar com fé, eu vou…

Estudos indicam que a oração, mesmo para os não crentes, ajuda a superar situações de emergência e pânico. A prece ajuda a organizar os pensamentos, tirar o foco das mazelas enfrentadas e organizar os pensamentos, mesmo para quem não acredita – ou não acreditava – em Deus.