Transcomunicação instrumental – Contato entre vivos e mortos através de equipamentos eletroeletrônicos

A transcomunicação instrumental (TCI) estuda o contato entre vivos e mortos através de equipamentos eletroeletrônicos, tais como gravadores, telefones, televisores, rádios e computadores. Pode-se dizer que a TCI é um desdobramento do electronic voice phenomena (EVP), popularizada a partir dos anos 1960 pelo parapsicólogo russo Konstantins Raudive, que obteve gravações intencionais e espontâneas de vozes de espíritos.

 Capa da primeira edição do livro de D’Argonnel.
Capa da primeira edição do livro de D’Argonnel.

A TCI transita entre os domínios da paranormalidade e do Espiritismo. No entanto, ela nunca foi formalmente aceita por institutos de ciência. Uma das principais refutações à transcomunicação instrumental é o fato de que os áudios de vozes obtidos sempre são acompanhados por ruídos de estática ou vozes de fundo.

Muitos estudiosos acreditam que se trata apenas de um fenômeno relacionado à pareidolia, no qual uma percepção vaga e aleatória (sonora, tátil ou visual) é percebida pelo receptor como uma mensagem definida, com significado específico (e, muitas vezes, pessoal).

Nestes casos, as mensagens recebidas através da TCI seriam semelhantes à identificação de imagens em nuvens ou no embaçado de vidraças. Seja como for, a transcomunicação instrumental continua sendo objeto de estudos de pesquisadores espalhados no mundo inteiro.

As primeiras tratativas

No início do século XX, a possibilidade de comunicação com os mortos sem a interferência direta de um médium foi objeto de estudos de vários cientistas. Entre eles, estaria o empresário americano Thomas Edison, que inventou o fonógrafo e o cinematógrafo (primeira câmera fotográfica bem sucedida), além de ter aperfeiçoado a transmissão telefônica.

Em entrevista à imprensa americana, em 1920, Edison informou que estava trabalhando em uma máquina para contato com os mortos. Jornais do mundo inteiro divulgaram a notícia bombástica, desmentida anos depois pelo próprio inventor, que nunca revelou as razões da divulgação.

transcomunicação instrumental

Não se sabe se foi uma tentativa malograda ou apenas um mero factoide.

Em 1936, Átila von Szalay, um fotógrafo americano, iniciou experimentos com EVP, inicialmente bastante desanimadores. Na década de 1940, com o suporte de um gravador, ele obteve sucesso. Em 1959, o fotógrafo, em parceria com o escritor Raymond Bayless, documentou suas descobertas no periódico da Sociedade Americana de Pesquisa Psíquica (ASPR), a mais antiga associação a se ocupar do assunto nos EUA.

Aparentemente, a repercussão ficou muito aquém do esperado para um tema tão palpitante, ao menos em teoria: nem a sociedade, nem os autores que assinaram os artigos, receberam qualquer comentário dos leitores, que, em tese, seriam ao menos curiosos sobre temas acerca da paranormalidade.

Na Escandinávia

Ainda em 1959, o crítico de arte sueco Friedrich Jurgenson, um amante do canto dos pássaros, decidiu colocar um gravador no sótão de sua casa de campo na pequena cidade de Mölnbo, para captar trinados e gorjeios. Ele queria ouvi-los nos momentos de descontração.

Ao ouvir a fita, Jurgenson, para sua surpresa, observou que a gravação captara vozes humanas. O crítico ficou intrigado, pois tinha certeza de que estava sozinho no bosque. Ouvindo com mais atenção, pôde perceber que as vozes falavam em diferentes idiomas, o que descarta a possibilidade da interferência de ondas de rádio.

Com novas tentativas de gravação, Jurgenson percebeu que as vozes o chamavam pelo nome e até por apelidos de família. Prosseguindo nas experiências, o sueco descobriu que os desconhecidos invisíveis tinham a capacidade de responder a perguntas, mesmo quando feitas mentalmente.

Mais uma vez, ficou comprovado que os sons captados não eram resultado de estática, transmissões de rádio, interferências de frequências radioamadoras, nem de qualquer sistema de transmissão eletrônica à distância conhecido na época. Em uma das mensagens, os comunicantes decidiram se apresentar: “nós somos os mortos”.

Até então, Jurgenson nunca havia se ocupado com temas paranormais. A partir das comunicações, no entanto, decidiu dedicar-se ao assunto de forma mais aprofundada, iniciando pesquisas metódicas sobre transcomunicação instrumental. Em 1967, publicou “Sprechfunk Mit Verstorbenem”, lançado no Brasil em 1972, com o nome de “Telefone para o Além”. Ao morrer, em 1974, o sueco deixou um acervo com mais de 72 mil vozes gravadas.

O parapsicólogo russo Konstantins Raudive acompanhou o trabalho de Jurgenson e é considerado um dos maiores promotores da transcomunicação mundial de todo o mundo. Em 1971, sua obra “Unhörbares Wird Hörbar” foi traduzida para o inglês, com o título “Breakthrough” (termo que, em português, pode ser traduzido como “avanço” ou “ruptura”).

Em 1978, uma equipe comandada pelo engenheiro americano George Meek, presidente da Metascience Foundation, criou o sistema Spiricom, para comunicação com os mortos. O sistema sofreu cinco atualizações, feitas inclusive com sugestões de cientistas desencarnados.

A principal inovação do Spiricom foi permitir a comunicação direta, já que, até então, não era possível estabelecer contatos com os desencarnados através da transcomunicação instrumental (apenas ligar os aparelhos e aguardar que os espíritos fizessem contato).

A TCI no Brasil

Um português naturalizado, Augusto de Oliveira Cambraia, patenteou o telégrafo vocativo Cambraia (TVC), em 1909. O aparelho, que nunca funcionou, se propunha a estabelecer comunicações de longa distância com a colaboração das almas e espíritos “que vagam pela estratosfera”.

De acordo com a descrição do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, o TVC destinava-se “à transmissão de correspondência universal, feita com espíritos iluminados, para o engrandecimento espiritual da humanidade”. Desde a segunda metade do século XIX, eram comuns as tentativas de aplicar metodologias das ciências exatas às humanidades (inclusive filosofias religiosas e paranormais).

A primeira obra escrita sobre transcomunicação instrumental foi “Vozes do Além pelo Telefone – Novo e Admirável Sistema de Comunicação – Os Espíritos Falando pelo Telephone”, do brasileiro Oscar D’Argonnel, publicada em 1925.

O livro, o autor (adepto da Doutrina Espírita) compilou relatos de comunicações transmitidas por um grupo de espíritos desencarnados no Rio de Janeiro, através do quase inédito telefone (a palavra ainda era grafada com “ph”).

Em 1923, o escritor maranhense Coelho Neto (fundador da cadeira nº 2 da Academia Brasileira de Letras) declarou a repórteres do “Jornal do Brasil” que havia recebido uma comunicação mediúnica de sua netinha através do telefone – um exemplo de transcomunicação instrumental. O “imortal” descreve as narrativas da criança e o consolo obtido por sua filha com as notícias do além.

Nos anos 1970, Hilda Hilst tornou-se uma entusiástica adepta da transcomunicação instrumental. A escritora paulista procurava espaços “vazios” entre duas emissoras de rádio e acionava o gravador. Com este método, a pesquisadora improvisada conseguiu manter contato com diversos parentes. O Youtube (www.youtube.com) disponibiliza vários áudios captados por Hilst, considerada uma das melhores em língua portuguesa do século XX.

Hernâni Guimarães Andrade, Suely Pinheiro e Sônia Rinaldi (esta última é fundadora do Instituto Internacional de Transcomunicadores) são outros exemplos de pesquisadores na área de transcomunicação instrumental, área bastante estudada em centros espíritas, institutos sobre paranormalidade e Nova Era e grupos de ufólogos.