Os fantasmas do Teatro Amazonas

Situado no centro de Manaus, o Teatro Amazonas foi fundado em 1896, no auge no Ciclo da Borracha. Foram 15 anos de construção. Luminárias, esculturas, decorações, espelhos, etc., foram trazidos da Europa. Apenas a madeira do piso e dos bancos – pau-brasil, carvalho, jacarandá, pau-marfim e outros – é nacional, mas, mesmo assim, foi tratada por artesãos do Velho Mundo antes de ser integrada ao teatro (sem pregos nem cola), uma verdadeira obra de arte repleta de histórias de grandes artistas e de muitos fantasmas que, ao que parece, se recusam a seguir a luz e querem seguir sob as luzes da ribalta.

Lendas como a atriz francesa Sarah Bernhardt e o tenor italiano Enrico Caruso se apresentaram no Teatro Amazonas. Mas a história do teatro – uma réplica quase perfeita do Teatro de Paris, símbolo da Belle Époque – não é exatamente uma coleção de sucessos. O célebre compositor e maestro Carlos Gomes, cotado para a inauguração, morreu dois meses antes. Uma companhia italiana, contratada para abrilhantar a noite de gala, não chegou a tempo (na época, as viagens entre Europa e América eram feitas de navio). Os artistas só pisaram no placo do Teatro Amazonas uma semana depois da data marcada.

Por fim, com a produção em escala comercial no leste da Ásia, a borracha dos seringais (extraída artesanalmente) entrou em decadência e a casa de espetáculos passou várias décadas esquecida. Hoje, o teatro é palco de festivais e um símbolo da cultura amazonense.

Os fantasmas parecem ter uma atração especial por teatros. O Brasil não tem castelos medievais e os casarões, graças à especulação imobiliária, estão cada vez mais raros. O escurinho aconchegante e o silêncio das casas de espetáculos – na maior parte do tempo – devem ser bons chamarizes para as almas do outro mundo.

Gente de outro mundo

O Teatro Amazonas pode ser visitado diariamente, das 9h às 16h. Os guias turísticos não parecem dar muita atenção à população ora visível, ora invisível. Questionados pelos turistas sobre as almas penadas, eles simplesmente respondem: “Sim, eles existem e todos já viram”.

A população local diz que os cômodos do Teatro Amazonas são assombrados e ninguém gosta muito de circular nas imediações, especialmente à noite. Ainda assim – e talvez por isto – o teatro é o principal ponto de visitação da capital amazonense. Por sorte, os fantasmas são brincalhões ou apenas observam, sem grandes manifestações. Neste teatro, não há fantasmas assustadores.

A bailarina Ana Botafogo, um dos expoentes do balé brasileiro, brinca com as aparições: “Eu nunca vi, mas não me assusta. Os fantasmas gostam quando dançamos. Eles vêm para assistir, mas só quando o teatro está muito silencioso. Todo teatro tem fantasmas”.

O fantasma mais popular é o de uma pianista que morreu no palco, no início do século XX. Basta que um piano esteja à mão para que a artista comece a se exercitar. O repertório é sempre o mesmo: a 5ª Sinfonia de Beethoven, mesma música que ela executava quando sofreu o ataque fulminante. Mas os turistas não têm chance de conferir o boato: os fantasmas preferem o início da madrugada para fazer seus passeios macabros pelo teatro.

Em 1912, um ator italiano contraiu malária enquanto ensaiava “A Dama das Camélias”, do escritor francês Alexandre Dumas Filho. A doença foi fatal e o artista continua perambulando pelo Teatro Amazonas, ainda com as roupas do pai de Armand, protagonista da peça.

Este fantasma é amante da música. Certa tarde, quando a pianista Jerusa Mustafa (que acompanhou por muitos anos o corpo de baile do teatro), hoje com 87 anos, ensaiava uma polonaise, viu o cavalheiro aplaudi-la com entusiasmo. A música nunca mais ficou sozinha naquele palco.

Um dos fantasmas surgiu em 1965, durante um ensaio de “Um Uísque para o Rei Saul”, de César Vieira. Um contrarregra desceu para encontrar alguns objetos de cena. No porão logo abaixo do palco, deparou-se com uma figura vestida com roupas do século XVIII, peruca e um sorriso muito triste.

O estranho cavalheiro fez uma reverência, flutuou em direção à parede e, tipicamente como um fantasma, simplesmente desapareceu. O contrarregra, que não poderia ser definido como impressionável, deu um vexame, mas o zelador do prédio interrompeu a história, dizendo que todo teatro que se preze tem seus fantasmas.

Em 2009, o cantor Edson Cordeiro fez uma série de apresentações no Teatro Amazonas. A tournée foi um sucesso: noite após noite, a plateia estava lotada. Com apenas uma exceção: a poltrona nº 13, reservada para todas as apresentações, nunca foi ocupada.

Nas noites de 31 de dezembro, aniversário do Teatro Amazonas, um grande grupo de fantasmas se reúne para encenar a ópera “La Gioconda”, de Amilcare Ponchielli. Os regentes se revezam. Às vezes, a condução é do maestro Genivaldo Encarnação, morto em uma briga na Pensão da Mulata (um bordel manauara; ele levou oito facadas ao tentar defender uma prostituta dos ataques de um cafetão); em outras, a batuta fica nas mãos de Benário Civelli, que morreu por causa da febre amarela.

Os contratempos de uma reforma

Em 1973, o governo amazonense decidiu reformar o grande teatro, bastante deteriorado à época. Um grupo de atores do Teatro Experimental do SESC convidou os fantasmas – alguns deles já centenários – a permanecer em sua pequena casa de espetáculos durante as obras. No início da reforma, um frio inexplicável – especialmente para os padrões amazônicos – fez com que muitos operários abandonassem o trabalho. Vozes, risadas e vultos nos camarotes e camarins que surgiam do nada também desencorajaram muita gente.

Aparentemente, os desencarnados aceitaram o convite: um ator bastante incrédulo, ensaiando sozinho no TESC, foi surpreendido com um recital: os instrumentos musicais, calmamente repousando sobre os bancos, começaram a tocar de repente. O ator ficou furioso, investigou todos os cantos do teatro, mas nada encontrou, além de uma vela acesa. Detalhe: ele estava com a única chave do prédio.

As explicações

Para paranormais, o fato de o Teatro Amazonas viver cheio de fantasmas – uma trupe completa, seja para a música, seja para a encenação – não requer explicações mirabolantes. Manaus era um grande centro econômico e cultural na virada do século XX, o que atraiu muitos artistas para a região.

Muitos deles, porém, não resistiram aos males dos “tristes trópicos”: doenças, ataques de jacarés e onças e picadas de serpentes foram os responsáveis por muitas mortes. Os fantasmas ficaram ali mesmo, talvez por não encontrarem um lugar melhor: para um artista, o teatro é o paraíso. Quem for ao Amazonas não pode deixar de conversar com o Sr. Nonato, funcionário do Teatro Amazonas há 30 anos, que tem muitas histórias de fantasmas para contar.