O que foi o caso Watergate?

Para entender o caso Watergate, é preciso lembrar que a política americana é polarizada entre dois grandes partidos: Democrata e Republicano. Apesar de haver quase 70 agremiações partidárias (na maioria regionais e separatistas, como é o caso de partidos do Alasca e de Porto Rico, Estado associado aos EUA), tradicionalmente as eleições – especialmente as presidenciais, para o Senado e a Câmara de Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira) – são disputadas pelas duas legendas, que se revezam no poder.

Com um curto período de hegemonia do Partido Whig no século XIX, os dois grandes partidos se revezam na Casa Branca – sede do governo federal americano – desde 1829.

Entre 1801 e 1828, o extinto Partido Democrata Republicano elegeu os quatro presidentes do período.

Legenda: O presidente Richard Nixon, pivô do escândalo Watergate.
Legenda: O presidente Richard Nixon, pivô do escândalo Watergate.

O escândalo Watergate ocorreu nos anos 1970, quando o Partido Republicano, do então presidente Richard Nixon (que se elegeu em 1968 e 1972, talvez o período mais crítico da Guerra do Vietnã), invadiu a sede do partido rival e instalou escutas clandestinas. O objetivo era identificar as estratégias de campanha dos adversários para a primeira eleição presidencial da década.

Na reeleição, Nixon foi reconduzido à Casa Branca (em Washington, DC), mesmo “assombrado” por investigações policiais – que tiveram início após um esforço de reportagem investigativa. Menos de dois anos depois, o presidente foi desmascarado por gravações comprometedoras, que comprovavam a participação direta de Nixon no caso Watergate, e obrigado a renunciar sob forte comoção social e política.

Em 1972, cinco homens foram presos por invadir o Edifício Watergate. O objetivo, descoberto depois de muita investigação, era grampear telefones e obter segredos do Partido Democrata e também dados de seus membros, para possível chantagem. A coordenação da invasão foi rapidamente encontrada: ex-agentes do FBI e da CIA, que orientavam a equipe a partir de um prédio vizinho, com walkie-talkies – era o que a tecnologia da época permitia.

A operação policial despertou o interesse da imprensa: dois jovens do “Washington Post”, Bob Woodward e Carl Bernstein, descobriram que um dos invasores estava na lista de pagamento do comitê republicano para a reeleição: um cheque de 25 mil dólares havia sido depositado. Era a primeira vinculação concreta entre Nixon e a invasão. A informação foi cedida por Deep Throat.

Com a pressão da imprensa e de setores democratas, foi instaurada uma comissão de sindicância no Senado: a investigação começava a tomar contornos formais. Um advogado da Casa Branca, em depoimento formal, confirmou a existência do esquema de espionagem comandado a partir da própria sede do governo.

Em seguida, a justiça americana, condenou dois assessores e quatro membros da equipe presidencial, pela participação no escândalo. O impeachment era iminente. Em 8 de agosto, Nixon renunciou ao mandato, com uma rara confissão entre autoridades públicas. Em seu discurso, o presidente lamentou “sinceramente qualquer tipo de danos provocados pelo incidente”.

O vice-presidente, Gerald Ford, assumiu a presidência em agosto de 1974 e teve um mandato marcado negativamente pelo perdão presidencial a Nixon e pelo relaxamento das tensões da Guerra Fria (a maioria dos americanos não via o com bons olhos estabelecimento de uma política de boa vizinhança com a então União Soviética); sofreu com a conquista do Vietnã do Sul pelos comunistas do norte, que reunificaram o país (numa das piores campanhas bélicas dos EUA) e foi derrotado na corrida presidencial seguinte pelo democrata Jimmy Carter.

Curiosidades

A campanha presidencial entre Nixon e George McGovern foi marcada por acusações de escuta clandestina e tentativas, pelos cabos eleitorais republicanos, de fotografar documentos sigilosos no Edifício Watergate. Mesmo assim, o candidato republicano obteve uma vitória esmagadora: conquistou o voto dos delegados de 48 dos 50 Estados americanos.

Nos EUA, as eleições presidenciais são indiretas: os eleitores escolhem primeiramente os candidatos de cada partido nas primárias: o candidato mais votado recebe todos os votos dos delegados de cada Estado (o número varia de acordo com a população de cada unidade da federação). Em seguida, os partidos realiam convenções para referendar a vontade popular.

Legenda: O Complexo Watergate, em Washington.
Legenda: O Complexo Watergate, em Washington.

Um dos principais personagens do caso Watergate foi o “Deep Throat” (garganta profunda), codinome com o qual um informativo cedeu informações para os jornalistas Woodward e Bernstein. A identidade real só foi revelada em 2005: tratava-se de Mark Felt, o número dois do FBI (a Polícia Federal americana) na década de 1970. Felt morreu três anos depois, aos 94 anos.

O apelido foi inspirado em um filme pornô homônimo de muito sucesso, dirigido por Gerald Damiano. Na trama de “Deep Throat”, a atriz Linda Lovelace – que se tornou uma estrela internacional – descobre um curioso “problema” anatômico: seu clitóris está localizado justamente no fundo da garganta. O filme foi descrito pela revista “Variety” como o “Ben-Hur” do pornô e o “Poderoso Chefão” do cinema erótico.

Ainda sobre cinema: os dois repórteres do “Post” ganharam notoriedade por suas investigações, pelo livro que escreveram e pela adaptação para o cinema; “Todos os Homens do Presidente”, estrelado por Robert Redford e Dustin Hoffman, foi descrito como “o filme sobre espionagem mais cativante de todos os tempos”.

Uma frase nunca dita por Felt – “siga o rastro do dinheiro” – é apenas uma fala do filme, apesar de ter feito muito sucesso. Na verdade, os repórteres já estavam pesquisando a origem e destinação do dinheiro da campanha republicana e identificaram o uso do dinheiro no desvio de informações de Watergate.

No entanto, a queda de Nixon não se deve exclusivamente às reportagens publicadas pelo “Post” – e em seguida pelo restante da imprensa americana. A partir da denúncia, o processo envolveu o trabalho de agentes especiais, juízes federais, Departamento de Justiça, FBI, Suprema Corte e o Congresso dos EUA.

Mesmo assim, sem as gravações da voz do presidente determinando diligências para vigiar o Partido Democrata, realizadas no próprio Salão Oval (o gabinete de trabalho da presidência, na Casa Branca), é muito provável que Nixon tivesse se livrado das acusações. Outras provas indicavam o envolvimento, mas não eram conclusivas.