Lojong, os versos que mudam a mente

O Lojong foi composto pelo geshe kadampa Langri Tangpa (1054-1123), um bodisatva (ser iluminado) do Budismo Tibetano que viveu em Langtang, uma região do Himalaia nepalês ao norte do vale de Katmandu (a capital do Nepal). É um conjunto de oito versos que mudam a mente, de acordo com os profitentes da religião, ou mesmo de adeptos de técnicas de meditação oriental.

Estátua do Buda Amitaba em Kamakura, Japão. O autor do Lojong é uma emanação deste Buda.
Estátua do Buda Amitaba em Kamakura, Japão. O autor do Lojong é uma emanação deste Buda.

Langri Tangpa, o autor do Lojong, foi uma emanação do Buda Amitaba, um dos cinco Budas da meditação, relacionados às sabedorias budistas. Amitaba é o Buda do oeste, do vermelho e da percepção, que purifica o carma do desejo.

As características do texto

O Lojong é um texto bastante respeitado. Em sua visita ao Brasil, em 2006, o Dalai Lama afirmou ler diariamente os oito versos que transformam a mente. Dalai Lama é o título conferido aos líderes religiosos da escola Gelug do Budismo Tibetano e, até 1959, chefes de Estado do Tibete, quando foi ocupado militarmente pela China.

Atualmente, o Dalai Lama é o líder oficial do governo tibetano no exílio (Administração Central Tibetana). Muitas vezes, no Ocidente, o Dalai Lama é tratado como “vossa santidade”, mas este termo não existe entre os budistas, que se referem a ele como “Gyawa Rinpoche” (grande protetor) ou “Yeshe Norbu” (grande joia).

Os adeptos do Budismo Tibetano e muitos especialistas em filosofia consideram “os versos que mudam a mente” como um conjunto de ensinamentos bastante poderoso, mas que pode ser facilmente mal interpretado. É preciso muita motivação para treinar a mente: o ponto principal é valorizar a mente do outro como a sua própria.

Os iniciantes do Lojong podem experimentar certa tristeza. Isto é fruto da constatação de que todos nós temos problemas. Identificá-los, porém, gera certo desânimo. Especialmente no Ocidente, esta reação é muito comum – e motivo frequente para o abandono da prática e do estudo.

O correto, no entanto, não é esperar a solução dos problemas para, só então, praticar o treino da mente. O principal ensinamento do Lojong é “transformar circunstâncias adversas no caminho para a iluminação”. Textos budistas comparam o praticante do treinamento da mente ao pavão, ave que, de acordo com as crenças tibetanas, tem a capacidade de comer veneno sem sofrer nenhum mal.

Os versos Lojong

De acordo com os ensinamentos budistas, os versos que mudam a mente são os seguintes:

  1. Com a determinação de alcançar o bem supremo em benefício de todos os seres sencientes, mais preciosos do que uma joia mágica que realiza desejos, vou aprender a prezá-los e estimá-los no mais alto grau.
  2. Sempre que estiver na companhia de outras pessoas, vou aprender a pensar em minha pessoa como a mais insignificante dentre elas e, com todo respeito, considerá-las supremas, do fundo do meu coração.
  3. Em todos os meus atos, aprenderei a examinar a minha mente e, sempre que surgir uma emoção negativa, pondo em risco a mim mesmo e aos outros, irei, com firmeza, enfrentá-la e evitá-la.
  4. Prezarei os seres que têm natureza perversa e aqueles sobre os quais pesam fortes negatividades e sofrimentos, como se eu tivesse encontrado um tesouro precioso, muito difícil de achar.
  5. Quando os outros, por inveja, maltratarem a minha pessoa, ou a insultarem e caluniarem, aprenderei a aceitar a derrota e a eles oferecer a vitória.
  6. Quando alguém a quem ajudei com grande esperança magoar ou ferir a minha pessoa, mesmo sem motivo, aprenderei a ver essa pessoa como um excelente guia espiritual.
  7. Em suma, aprenderei a oferecer a todos, sem exceção, toda a ajuda e felicidade, por meios diretos e indiretos, e a tomar sobre mim, em sigilo, todos os males e sofrimentos daqueles que foram minhas mães.
  8. Aprenderei a manter estas práticas isentas das máculas das oito preocupações mundanas e, ao compreender todos os fenômenos como ilusórios, serei libertado da escravidão do apego.

Preocupações mundanas

No último verso Lojong, o autor cita as preocupações mundanas são:

  1. Querer ser elogiado;
  2. Não querer ser criticado;
  3. Querer prazer;
  4. Não querer dor;
  5. Querer ganhar;
  6. Não querer perder;
  7. Querer ser reconhecido;
  8. Não querer ser ignorado.

Como se pode ver, a sequência das preocupações (ou dharmas) mundanas parece poder ser reduzida a apenas quatro, já que as preocupações pares (positivas) são apenas o reverso das ímpares (negativas). No entanto, este é outro aspecto a ser avaliado com profundidade. Na verdade, “querer ganhar”, por exemplo, não é o contrário de “não querer perder”.

Enquanto a primeira proposta sugere a necessidade incessante de acumular, a segunda se refere à posse, à não doação, à vigilância dos bens materiais e, talvez, da família e dos amigos.

Os quatro pares: sentimentos de elogio e crítica, prazer e dor, ganho e perda, prestígio e desonra, são uma chave – ou um convite – para que possamos estabelecer uma abordagem mais realista sobre estas características tão comuns à humanidade. Esta é a única forma para entendermos como estas sensações e impressões nos atraem e distorcem a nossa percepção.

O Lojong se propõe a explicar que as dores e desejos não são concretos – portanto, não devemos nos envolver excessivamente a nenhum deles, mas compreender que são circunstâncias passageiras da vida, que se desvanecerão na medida em que nos desapegarmos.

Para o Budismo, em todas as suas escolas, ficar agarrado aos quatro pares das preocupações mundanas é o que nos mantém ligados ao samsara, o ciclo de renascimentos e mortes que gera o sofrimento e a ansiedade. Na verdade, ficamos presos às oscilações entre dois princípios opostos.

Dharma, na verdade, significa “lei natural”. Ele pode ser considerado um caminho para a vida superior. no entanto, isto só pode acontecer se nos afastarmos das preocupações mundanas. Do contrário, nosso esforço na conquista da felicidade será continuamente sabotado por nós mesmos.