Livros proibidos pela Igreja

O Index Librorum Prohibitorum (relação de livros proibidos, em latim) é uma lista de livros proibidos pela Igreja que teve início em 1559 e só foi abolido em 1966, pelo papa Paulo VI. O Index se insere no contexto do Concílio de Trento (1545-1563), considerado pelos historiadores como a personificação da Contrarreforma.

Em 1517, o monge agostiniano Martinho Lutero havia afixado 95 teses contra o que considerava abusos da Igreja, como a venda de indulgências (a absolvição de pecados em função de alguns atos piedosos, como ler a Bíblia ou mandar rezar missas em intenção das almas do Purgatório). Lutero propunha um Cristianismo mais puro e próximo do Evangelho.

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Assim nasceu o Protestantismo, um cisma na igreja cristã, que gerou diversas religiões, como Luteranismo, Metodismo, Presbiterianismo e outras. O Concílio de Trento foi convocado para fazer frente ao avanço das novas confissões religiosas. Ao final os bispos reunidos especificaram claramente as doutrinas católicas sobre salvação, sacramentos, cânon bíblico, tradição, pecado original e graça, valor da liturgia e da missa, celibato clerical, culto aos santos, relíquias e imagens, veneração à Virgem Maria e indulgências. O “Credo” rezado nas missas atuais nasceu durante este concílio.

As proibições

Estabelecendo verdades incontestáveis em uma época de renovação cultural e científica, é natural que muitas produções literárias tenham sido condenadas. O foco inicial eram as publicações protestantes, mas logo surgiram novos focos de questionamento – e, e alguns casos, de perseguição religiosa. A administração inicial do Index ficou a cargo do Tribunal da Inquisição.

O Index não se restringia apenas a uma relação de livros proibidos. O Direito Canônico recomendava que todos os escritos sobre Bíblia, história da Igreja e dos santos e mesmo os que dizem respeito à moral e aos bons costumes devem ser submetidos à apreciação do pároco local, que pode apor a inscrição “nihil obstat” (nada impede). Com este selo, a Igreja fornecia o “Imprimatur” (deixe imprimir).

Até hoje, clérigos e leigos subordinados a prelazias precisam submeter seus estudos ao crivo da hierarquia católica. Com a multiplicação das tribunas em escolas, faculdades, centros culturais e mais recentemente com a internet, blogs e redes sociais, os religiosos “dissidentes” em algum ponto doutrinário sofrem uma pena eclesiástica chamada “silêncio obsequioso” – afastamento da pregação e publicação de livros e artigos por determinado período.

Os autores

Tendo se estendido por mais de 400 anos, a relação de livros proibidos pela Igreja atingiu diversos escritores, como os astrônomos Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Johannes Kepler e Giordano Bruno. Este último foi o que teve menos sorte: foi condenado à morte na fogueira (em 1600), por não admitir se retratar sobre suas teorias em relação à Terra e ao universo.

Em comum, os quatro cientistas afirmavam que a Terra não era o centro do universo, apenas um planeta do Sistema Solar. A teoria do heliocentrismo contradiz certos pontos bíblicos, como a criação do mundo (Livro da Gênese) e uma curta passagem em que o comandante dos hebreus, Josué, detém o Sol para que uma batalha não seja interrompida (Livro de Josué).

Durante a Idade Média e Idade Moderna, num período que se estende entre 1300 e 1800, o direito ao trono (pelos reis e seus descendentes) era considerado um dom divino – portanto, sem margens para contestação. Bispos, cardeais e até mesmo o para coroarem diversos monarcas no continente europeu durante este período.

Maquiavel

Nicolau Maquiavel é considerado o pai da ciência política moderna. Foi historiador, poeta, músico e diplomata florentino em pleno Renascimento (ele viveu entre 1469 e 1527). Ele escreveu sobre o Estado como ele realmente é, e não como deveria ser. “O Príncipe”, cheio de conselhos irônicos, é a sua principal obra.

O escritor foi o primeiro europeu a propor uma ética diferente da ética católica imperante na época. Depois da sua morte, começaram as contestações. A Ordem de Jesus acusou-o de ser contrário à Igreja e convenceu o papa Paulo IV a incluir suas obras na relação de livros de livros proibidos.

Maquiavel não foi perseguido depois da morte apenas pelas autoridades católicas. Um advogado francês, Innocent Gentillet, huguenote (era o termo pejorativo com que os católicos franceses tratavam os protestantes da região), publicou um livro em que acusou o escritor de ateísmo e de, com seus métodos, ter influenciado a Noite de São Bartolomeu, episódio em que muitos protestantes foram massacrados em Paris. A cidade estava repleta de não católicos, em função do casamento da princesa Margarida da França com o huguenote Henrique de Navarra.

Tempo instável para monarquias absolutistas

O Iluminismo decidiu contestar este direito “natural” dos reis. Os enciclopedistas – um grupo de pensadores que tinha como pretensão catalogar todo o conhecimento humano em uma só obra – passaram a tratar Igreja e Estado com desdém em seus verbetes para a obra. Foi o suficiente para que filósofos como René Descartes, Denis Diderot, Jean D’Alembert, Jean Jacques Rousseau e Montesquieu (Charles Louis de Secondat) entrassem para a lista de escritores “suspeitos”. A Enciclopédia entrou para a relação de livros proibidos pela Igreja em 1759.

A Era das Luzes foi um período intenso de divulgação das ideias democráticas e liberais – um “perigo” para o Estado despótico. “O Espírito das Leis”, de Montesquieu, e “O Contrato Social”, de Rousseau, que defendem, entre outros pontos, a representação popular nas decisões governamentais e a separação dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), logo entraram para a lista de livros proibidos para os católicos. Mas os tempos eram outros e os governos autoritários europeus pouco a pouco tiveram de ceder aos novos ares, concedendo direitos, estabelecendo eleições diretas para alguns cargos, etc.

Perdendo força

Até o início do século XIX, quando a Igreja já havia perdido boa parte do seu poder político, não apenas os escritores, mas todos os leitores dos livros proibidos de qualquer natureza – religiosa, filosófica, política, etc. – corriam o risco de ser acusados como hereges e receber penas que variavam da excomunhão à morte.

Na contramão da história, autores como Karl Marx e Allan Kardec também foram parar no Index (livros do fundador do Espiritismo foram apreendidos pela alfândega e queimados em praça pública, em uma alusão às execuções de bruxas e desafetos na Idade Média, em um episódio que ficou conhecido como Auto de Fé de Barcelona, em 1861). O filósofo Friedrich Nietzsche foi um dos últimos a ter seus livros proibidos pela Igreja.

O Index foi abolido em 1966, durante o Concílio Vaticano II, considerado um encontro que modernizou a Igreja, aproximando-a da realidade do século XX. Mesmo assim, muitos livros ainda continuam sendo considerados à fé verdadeira. Atualmente, grupos colaborativos são organizados para avaliar livros e filmes e orientar os fiéis. Um dos últimos a causar comoção foi “O Código Da Vinci”, de Dan Brown.

Tentativas de controlar a informação existem desde a Antiguidade. No século IV a.C., o filósofo grego Sócrates foi condenado a beber cicuta, por corromper a juventude com seus ensinos. Durante séculos, a Igreja não teve esta preocupação, porque a maioria da população era analfabeta e os livros, copiados à mão, eram muito caros.

A invenção da imprensa de tipos móveis alterou profundamente esta situação. Ela surgiu pouco antes do cisma entre católicos e protestantes, permitiu a produção em serie de livros não só em latim (até hoje, a língua oficial da Igreja) e democratizou o acesso à informação. Os donos do poder levaram 400 anos para aceitar isto.

Hoje, no entanto, se não existe mais uma relação de livros proibidos pela Igreja, vários governos – inclusive de países ditos democráticos – tentam criar formas de controlar a mídia e as editoras. Mas a história é dinâmica e, como sempre, os que teimam em ficar para trás estão condenados. Como diz o poeta Mário Quintana, “eles passarão; eu passarinho”.