Como lidar com a morte?

Não existem receitas prontas para lidar com a morte. Pode-se dizer que algumas maneiras são positivas, enquanto outras apenas fazem com que a dor aumente. A morte é absoluta. Porta da eternidade para alguns, e para o nada para outros. Seja como for, ela é uma separação permanente.

Uma vez que não existe uma fórmula para lidar com a morte, o importante é que as pessoas que sofreram a perda saibam respeitar o próprio luto e o das pessoas próximas: o marido reage de uma forma; um filho, de outra; a mãe, de uma terceira maneira.

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É importante pensar que o luto acompanha todos os relacionamentos que chegam ao fim através da morte. Sofremos com a morte de um cão, um gato, os mais sensíveis choram a morte de um peixinho dourado. Como não sentir a perda? É preciso expressá-la e esperar o tempo necessário para que a dor finalmente passe, ou ao menos deixe de ser latejante.

Em algumas situações, precisamos “segurar a barra”, para não desestruturar ainda mais a família. Mesmo assim, não é preciso disfarçar a tristeza: apenas demonstrar, através do exemplo, que o desespero nada pode contra um fato consumado. E reservar alguns momentos do dia para recordar e, quem sabe, deixar rolar algumas lágrimas.

Angústia, solidão

A morte, apesar de ser comum a todos os seres humanos, é a experiência mais angustiante por que passamos. A perplexidade, o desejo de que tudo não passe de um sonho e, por fim, a certeza da separação aumenta a sensação de abandono, de finitude e nos reduz às dimensões que realmente temos: somos meros mortais.

Na sociedade ocidental, falamos muito pouco sobre a morte. Nascimentos são comemorados, mas o fim da vida é um momento de isolamento, diálogos em voz baixa. Escondemos o fato das crianças – como se elas não fossem notar a ausência do avô ou de um tio querido.
Esta “face oculta” da morte – muitas religiões chegam a considerá-la algo satânico – não nos permite aprender a lidar com o fim da vida. A morte é representada por esqueletos, cruzes, foices, ou, na melhor das hipóteses, anjos transportando nosso ser amado para um distante paraíso.

O luto

É um processo mental interno que ocorre logo após a passagem. Aliás, ao nos referirmos à morte, sempre lançamos mão de eufemismos, como passagem. Usamos verbos como sucumbir e expirar, que não são sinônimos exatos de morrer. Mesmo “falecer”, originalmente, significa “não ser suficiente”, “estar em falta”.

No momento do comunicado da morte, nossa primeira sensação é de perplexidade, talvez de atordoamento e fuga da realidade. A descrença vem acompanhada do paradoxo: como é possível que esta pessoa tão forte, doce, companheira, pode deixar de existir? Mesmo quando a morte era um fato esperado – caso de doenças terminais – estes sentimentos podem surgir, ainda que em menor intensidade.

Existe um lado positivo. Há pouco mais de 150 anos, nossos mortos eram enterrados nos adros das igrejas. Os corpos eram velados em casa e posteriormente conduzidos à “morada final”. Hoje em dia, no entanto, é necessário tomar muitas providências legais antes das cerimônias fúnebres. A “anestesia” permite que os parentes organizem o funeral, informem a família e os amigos, etc.

O velório, apesar de ser uma cerimônia combatida por muitos, pode ser o momento em que a incredulidade gradualmente começa a ser superada. Os cumprimentos dos familiares, a presença do morto na câmara ardente, possíveis preces em favor do bom destino da alma, são situações em que morte começa a ganhar concretude.

Poucos dias depois da morte, pode surgir um sentimento de raiva. Culpamos os médicos, a equipe de saúde, a demora no atendimento de urgência, Deus, o destino: temos de encontrar um responsável. Alguns chegam a culpar o próprio morto, que “partiu desta para melhor” e nos deixou sozinhos – mesmo que estejamos entre muitos amigos e parentes.

A culpa também pode comparecer. Muitos de nós acreditamos que não conseguimos fazer o máximo possível, que não chegamos a tempo para socorrer ou parente ou amigo que foi embora. Isto é muito comum especialmente quando estamos em pequenas viagens de lazer ou simplesmente desligamos o telefone para descansar um pouco mais.

A vida segue, no entanto. O trabalho, os estudos, os cuidados com a família, tudo nos convida – ou nos convoca – a continuar existindo. A tristeza e a saudade começam a se tornar sentimentos controláveis, lembranças mais suaves. Crises de choro podem vir de vez em quando, mas é preciso seguir em frente. Como cantou Ronnie Von, da Jovem Guarda, “Sem outra solução, eu pego e bombardão e vou tocar na banda da ilusão”.

Como superar?

A atitude perante a morte varia de acordo com várias circunstâncias. O grau de parentesco ou afinidade é muito importante: aceitar a morte de um avô idoso ou de um tio muito doente é mais fácil do que a de um irmão ou amigo de infância, que, por sua vez, é muito mais fácil do que continuar vivendo depois da morte de um filho – talvez, a mais dolorosa das perdas.

A morte, depois de um longo período de internação em um hospital, é mais fácil de ser aceita do que aquela que adveio abruptamente, através de um acidente, por exemplo. Seja como for, as crenças religiosas – desde que sejam reais – ajudam bastante na superação da morte.
Crianças muito pequenas não conseguem entender a real dimensão da morte. Algumas chegam a perguntar: “e quando ele volta?”. Outras colhem todas as flores que veem pelo caminho para decorar o lugar em que “ele está dormindo”.

Os maiores e os adolescentes não reagem bem, especialmente se a morte ocorreu com um dos pais. Neste momento, é fundamental o apoio da família. Em muitos casos, o cônjuge sobrevivente não reúne condições para agregar a família – então, é necessário que alguém próximo se prontifique a ajudar.

Providenciar a limpeza da casa, arejar os ambientes, preparar uma refeição, são atitudes que revelam, sem palavras, que a família enlutada não está sozinha. Isto pode não ser compreendido imediatamente, mas fica gravado no inconsciente.

O viúvo ou viúva, no entanto, precisa recuperar o equilíbrio emocional o mais cedo possível. Ele ou ela passou a ser o chefe único da família e deve acolher e orientar os filhos. Não é necessário que aparente alegria – o que seria bastante estranho –, mas que mostre estar ali para retomar o desenvolvimento da família.

O luto pode não ser uma experiência agradável, mas é sempre necessária. Ninguém vive sozinho; portanto, em algum momento de nossa trajetória, vamos nos deparar com a morte. Depois deste período, vale a pena um exame de consciência: a morte é necessária para a continuidade da vida. “O trem que chega é o mesmo trem da partida”, cantou Milton Nascimento.