Binge, um estranho transtorno de compulsão alimentar

Em inglês, o distúrbio é chamado de binge eating disorder, ou BID. O TCAP (transtorno de compulsão alimentar periódica) também afeta 2% dos homens americanos (não existem estatísticas sobre a população brasileira, mas os números devem ser semelhantes; alguns estudos preliminares indicam que 15% dos obesos mórbidos do país sofram regularmente com binge).

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O distúrbio se caracteriza pela ingestão de grande quantidade de alimentos por um tempo limitado (cerca de duas horas). Trata-se de uma perda de controle sobre o que e o quanto se come.

O diagnóstico do binge é feito quando os episódios de descontrole ocorrem duas vezes ou mais em uma semana durante seis meses, não acompanhados por comportamentos extremos para a perda de peso, como eliminar totalmente a ingestão de carboidratos ou proteínas.

O binge também não provoca condutas extremas, tais como provocar vômitos ou abusar dos laxantes para “ganhar” uma diarreia. Estes sinais caracterizam a bulimia, outro distúrbio caracterizado pelo descontrole alimentar, em que os indivíduos vomitam ou evacuam para impedir o ganho de peso.

As características do binge

Além da sensação de descontrole, o binge se caracteriza por sentimentos subjetivos de nojo, culpa e angústia. Os pacientes com TCAP apresentam problemas com o locus de controle, possuem baixa autoestima, preocupam-se com a estética corporal (especialmente com o controle de peso) e, em geral, são diagnosticados com outro transtorno de eixo, como depressão, transtorno de ansiedade, síndrome do pânico ou ansiedade.

O locus de controle é uma medida da expectativa do indivíduo sobre a cobrança imposta pela sociedade. Em geral, os indivíduos possuem um controle sobre a sua vida e a expectativa de sucesso. Esta condição favorece o desenvolvimento de doenças físicas e emocionais, como o binge, por exemplo.

Os transtornos do eixo I – ansiedade, depressão e bipolaridade (de acordo com a classificação da OMS – Organização Mundial da Saúde – um organismo da ONU – Organização das Nações Unidas), incluídas no CID (Cadastro Internacional de Doenças) respondem por cerca de 80% dos casos de binge: trata-se de uma reação ineficaz para lidar com as emoções.

Os pacientes submetidos a cirurgias bariátricas (obesos mórbidos que tiveram a capacidade reduzida do estômago ou do duodeno), quando mal assistidos psicologicamente, podem desenvolver o binge (estudos indicam que quase metade dos pacientes desenvolve o transtorno).

Pacientes que se submeteram a tratamentos radicais para perda de peso, tais como a lipoaspiração, precisam contar com apoio médico, psicológico e nutricional. A imensa maioria abandona a reeducação alimentar, por colecionar fracassos nas tentativas de manter o peso ideal.

O binge se diferencia da hipergafia (também uma compulsão alimentar) por não estar associado a um evento traumático; este distúrbio é considerado mais grave pelos especialistas, já que o paciente pode ganhar muito peso em pouco tempo, sofrendo os males provocados pela obesidade. A terapia comportamental cognitiva (TCC) é o tratamento mais adequado.

Mesmo assim, o binge é um transtorno psiquiátrico sério, que demanda tratamento. Os médicos consideram o TCAP como uma bulimia não purgativa ou como um transtorno obsessivo compulsivo (TOC), mas a resposta à medicação não é idêntica para pacientes com binge e com TOC.

Em palavras simples, o portador de binge não se concentra nas metas da vida: ele simplesmente é incapaz de resistir aos alimentos. O pior: os alimentos não são nada saudáveis. No lugar de frutas e saladas, o compulsivo consome salgadinhos, bolachas, bolos, frituras, etc. Nada contra nenhum destes itens, mas eles precisam ser consumidos com moderação.

A médica inglesa Amie McElroy, que defende a inclusão do binge entre os transtornos obsessivos compulsivos, descreve os portadores do distúrbio como pessoas preocupadas persistentemente com a comida e o peso corporal. O desejo de comer em excesso surge de forma incontrolável e egodistônica (egodistonia é a adaptação do ego aos impulsos do meio exterior e também os meios internos causados por neuroses e psicoses).

O tratamento para o binge

Os acometidos com transtornos de humor, como a síndrome do pânico e a bipolaridade, também são sérios candidatos a desenvolver o TCAP. Qualquer pessoa que “assalte” a geladeira ou abuse dos lanchinhos durante o dia (todos os alimentos mais calóricos do que uma fruta, um iogurte ou uma barra de cereais, no meio da manhã ou da tarde, são considerados um abuso), pode estar sofrendo de binge.

O início do tratamento é bastante difícil. Poucos pacientes admitem estar sofrendo com este distúrbio alimentar. O binge pode acometer até 47% dos pacientes submetidos a uma cirurgia bariátrica (de redução do estômago). O distúrbio foi descrito em 1959, pelo endocrinologista Albert Stunkard. Em 1994, foi classificado pela OMS como um transtorno alimentar, assim como a anorexia e a bulimia.

O diagnóstico é obtido com a aplicação da Binge Eating Scale, um questionário com 16 perguntas sobre os hábitos alimentares – capacidade de controlar os impulsos, facilidade para comer vagarosamente, relacionamento entre o aumento de apetite a alguns problemas do cotidiano, etc. No Brasil, o material foi batizado com o nome de Escala de Compulsão Alimentar Periódica.

O tratamento inicial mais frequente é feito com base em antidepressivos, especialmente os inibidores seletivos de receptação da serotonina (ISRS), que também são úteis para tratar sintomas colaterais, como depressão e ansiedade. Estudos sobre estes medicamentos os descrevem como indicados para reduzir a compulsão e o peso. A sibutramina (antiobesidade) e topiramato (anticonvulsivante, estabilizante do humor e neuroprotetor) também se mostraram eficazes no tratamento de binge.

No entanto, o tratamento não pode se restringir à terapêutica medicamentosa: é necessário o acompanhamento psicológico. De acordo com estudos, a TCC apresenta melhores resultados do que a psicologia humanista (PH). 72% dos pacientes submetidos à TCC reduziram a frequência da compulsão alimentar, enquanto apenas 30% obtiveram sucesso com a PH.

Além dos medicamentos e da psicoterapia, o êxito no tratamento é maior quando são adotados exercícios físicos e acompanhamento nutricional.