Chá de ayahuasca e as religiões alternativas

O gosto é amargo e os efeitos mais comuns são vômito e diarreia. Mesmo assim, o chá deste cipó tido como sagrado – a ayahuasca – é consumido há séculos por indígenas da Amazônia e por adeptos do Santo Daime e da União do Vegetal.

Para os céticos, o chá, de cor variando entre o ocre e o marrom escuro, provoca alucinações. Para os fiéis, permite transes e a comunhão com elevadas entidades desencarnadas. O termo “ayahuasca” significa exatamente isto: em quéchua ou quíchua (língua indígena peruana), “aya” (espírito ou ancestral) e “huasca” (cipó). Popularmente, o cipó é conhecido como jagube (Santo Daime) ou mariri (União do Vegetal) e as folhas, como chacrona ou rainha.

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É o cipó dos mortos ou vinho dos espíritos, bebida psicoativa obtida com a fervura da videira Banisteropsis caapi com várias outras plantas, como a Psychotria viridis e a Diplopterys cabrerana. O chá também é empregado como medicamento por várias nações indígenas.

De acordo com os crentes, o chá de ayahuasca é capaz de livrar corpo e alma de todas as impurezas. É também um veículo para a viagem mental no tempo e no espaço e tem o poder de abrir uma porta de comunicação com os antepassados e as forças da natureza.

Ayahuasca e dependência

Alguns estudos indicam que o cipó dos espíritos é útil para o tratamento de dependentes de álcool. Desde a década de 1990, o ayahuasca vem sendo utilizado para o tratamento de alcoólatras. Efetivamente, as plantas utilizadas (Banisteropsis caapi e Psychotria viridis) atuam nos níveis de serotonina, neurotransmissor relacionado ao prazer e ao bem-estar.

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Em 1996, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) avaliaram um grupo de 15 alcoólatras que abandonaram o vício com o uso do ayahuasca, que também é empregado como tratamento alternativo para o abandono da adição em cocaína e crack. Nenhum especialista, no entanto, se arrisca a recomendar o uso do chá alucinógeno.

Os incas

O cipó utilizado pelo Santo Daime e da União do Vegetal – a ayahuasca – já era utilizado pelos incas, civilização bastante avançada que habitava os Andes do Peru na época da ocupação espanhola (século XVI). O Estado criado por estes indígenas foi o maior império americano da América pré-colombiana, que incluía a maior parte do Peru, Equador, sul e oeste da Bolívia, sul da Colômbia, norte do Chile e noroeste da Argentina.

A capital era Cuzco (Peru), cujo nome significa “umbigo do mundo”. De acordo com a tradição, Cuzco foi fundada por Manco Capac, no século XI, tido como filho do deus Sol. Capac era o título do soberano da região; posteriormente, ele se tornou Supa Inca (imperador supremo).

A maior parte das construções incas foi derrubada pelos espanhóis (as pedras, inclusive, foram utilizadas para a construção de igrejas e catedrais católicas). Em 1572, o vice-rei Francisco de Toledo proibiu o ritual Inti Raymi (festa do Sol, em quéchua), no qual aparentemente era servido o chá de ayahuasca.

A União do Vegetal

A religião surgiu em 1961, a partir da adoção do chá por um centro espírita sediado em Campinas (SP). O regulamento da entidade estabelece, como objetivo, “trabalhar pela evolução do ser humano no sentido do seu desenvolvimento espiritual”.

Atualmente, a União do Vegetal conta com mais de 200 unidades e 18 mil sócios oficiais no Brasil, Peru e países da Europa (Espanha, França, Inglaterra, Portugal, Andorra, Suíça e Holanda), América do Norte e Oceania.

O uso do ayahuasca foi regulamentado em 2010 pelo CONAD (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas); antes disto, em 2006, a Suprema Corte americana concedeu, por unanimidade, o direito ao uso do chá, durante as reuniões da União do Vegetal em todo o território americano.

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A doutrina da União do Vegetal é transmitida oralmente: não existem textos doutrinários oficiais. Durante os rituais, o mestre dirigente distribui o chá de ayahuasca (chamado de vegetal) para os participantes, para proporcionar maior concentração – de acordo com os adeptos, trata-se de proporcionar a ampliação da consciência.

O Santo Daime

Esta manifestação religiosa surgiu na Amazônia, no início do século XX. O Santo Daime é uma doutrina espiritualista que se baseia no autoconhecimento, baseado no chá de ayahuasca, que, para os adeptos, abre perspectivas para o contato entre vivos e mortos.

Sempre de acordo com os adeptos, a doutrina do Santo Daime é uma missão espiritual que encaminha os fiéis ao perdão e à regeneração. Isto se concretiza com o chá de ayahuasca, que permite a correção dos defeitos do ser e, consequentemente, a sabedoria.

As cerimônias do Santo Daime são marcadas pela música. Durante os ritos, são utilizados maracas (instrumento indígena), flautas, violas, bongôs e atabaques, que acompanham os diversos hinos da religião.

O Santo Daime (ou Culto Eclético da Fluente Luz Universal) foi organizado por Raimundo Irineu Serra, maranhense que migrou para a Amazônia para trabalhar nos seringais. Em Brasileia (Acre, na fronteira com a Bolívia), Serra teve visões da Virgem Maria, que o incitava a divulgar alguns dos segredos da floresta.

Os adeptos do Santo Daime não consideram o chá de ayahuasca como alucinógeno, mas enteógeno. O termo foi criado por investigadores ingleses e já foi incorporado pelo Oxford English Dictionary, para se referir ao estado xamânico induzido por substâncias que alteram a consciência.

A maioria dos cientistas, no entanto, continua afirmando que o chá é alucinógeno, A presença de T-dimetiltriptamina nas folhas da chacrona determina a manifestação de efeitos semelhantes aos do ácido lisérgico (LSD). Mesmo assim, em função do caráter religioso, o uso do ayahuasca é garantido por lei, em função da liberdade de crença, garantida pela Constituição Federal.