A Terra em sombras – Boato ou verdade?

A notícia alarmante vem amedrontando os mais desavisados, principalmente porque é publicada com a chancela (irreal) da agência aeroespacial americana: “NASA confirma seis dias de escuridão total no planeta”. O período de trevas ocorreria entre 16 e 22/12/16, causado por uma sequência de tempestades solares no astro rei violentas o suficiente para lançar poeira e detritos suficientes para bloquear até 90% dos raios solares que atingem a Terra.

A informação – falsa, é importante salientar – sobre as tempestades que ocultariam o Sol dos nossos céus foi postada inicialmente no site Huzlers, uma página de notícias falsas e satíricas dos EUA.

No rodapé de todas as páginas do site, pode-se ler: “Huzlers.com é um mix de notícias chocantes reais e entretenimento satírico, para manter os leitores em permanente estado de descrença”. O “real”, no caso da Terra em sombras, se resume apenas ao fato de que o Sol passará por um período mais ativo de explosões, sem consequências para os planetas, satélites, asteroides e cometas que compõem o Sistema Solar.

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No Brasil, os desmentidos chegaram ainda antes do alerta, fato que não impediu os internautas de compartilharem o link como se fosse verdadeiro. O “Huffington Post” alertou que o Huzlers é apenas um site de fofocas (ele já noticiou informações sobre uma vacina inexistente contra o Ebola – eficiente apenas para pessoas caucasianas – e sobre a morte da incrível mulher com três seios).

Jasmine Tridevil, que ganhou fama nas redes sociais (e muito dinheiro em programas americanos de entrevistas), sempre afirmou ter feito uma cirurgia plástica para obter um terceiro seio (mas nunca explicou o motivo para esta excentricidade).

Seja como for, a mulher “mutante” continua muito bem de saúde, faturando alto com a sua aberração, mesmo depois que, em setembro de 2015, a polícia de Tampa (Flórida, EUA), ao investigar uma denúncia de roubo no aeroporto da cidade, revelou ter encontrado uma prótese na bagagem de Jasmine: o terceiro seio.

Um dos dias da Terra em sombras coincide com outro boato que deixou muita gente em alerta. Em 2012, pulularam notícias sobre o fim do mundo, que ocorreria em 21 de dezembro. A “profecia” se baseou em uma interpretação equivocada do calendário maia. Na verdade, este “fim do mundo” ocorreu no século XVI, quando os conquistadores espanhóis trucidaram os indígenas centro-americanos.

Os rumores da Terra em sombras

As notícias virtuais, que tiveram início na segunda quinzena de outubro de 2016, continuam, dando ares oficiais ao boato. Segundo as fontes (desconhecidas, naturalmente), Charles William Bolden Júnior, major-general dos Fuzileiros Navais dos EUA e atual administrador da NASA, seria o autor do anúncio da “Terra em sombras”.

Neste comunicado, o oficial reformado, que já participou de quatro missões espaciais americanas, pediu a todos que mantenham a calma. O fenômeno extremamente raro (ocorre a cada 250 anos), manterá uma noite de 216 horas consecutivas, mas não terá efeitos drásticos nem grandes transtornos sobre a vida no planeta.

Outra notícia, publicada também com o pretenso aval de Bolden, diz respeito especificamente ao Brasil: ainda em 2016, a costa litorânea da região Nordeste e do norte da região Sudeste seria atingida por uma onda gigante, nos moldes dos tsunamis que abalam os oceanos Índico e Pacífico.

A catástrofe teria origem em uma erupção do monte Cumbre Vieja, nas ilhas Canárias (Espanha), distantes 4.300 km de Fortaleza, a capital cearense.  A NASA apressou-se a desmentir o boato: as chances de uma erupção violenta o suficiente para deslocar parte do cume deste monte são de uma em cinco mil nos próximos dez mil anos.

Consequências da Terra sem luz

Um apagão de cinco segundos não traria nenhuma consequência para a Terra e os seus habitantes animais e vegetais. Comparativamente, seria como apagar a luz em um quarto escuro e ativar o interruptor logo em seguida.

Em uma hora, os efeitos começariam a ser sentidos. A Terra ficaria extremamente escura, mas não o suficiente para impedir que identificássemos bloqueios ou pessoas à nossa volta. O motivo é que a Via Láctea reflete uma pequena fração da luz de uma Lua Cheia (0,03%).

Em cinco horas, a fotossíntese das plantas, que absorve dióxido de carbono (CO2) e libera gás oxigênio (O2), seria completamente interrompida. Milhões de animais e vegetais morreriam imediatamente, mas nós continuaríamos respirando normalmente, uma vez que a atmosfera terrestre é composta por cerca de 20% de oxigênio.

Uma semana inteira com a Terra em sombras, no entanto, geraria problemas sérios. Nós dependeríamos apenas de alimentos industrializados para sobreviver, pois a agricultura teria a produção interrompida e os animais de abate parariam de engordar. Atividades como pesca e coleta seriam totalmente impossibilitadas pela escuridão.

Tempestades solares

Também conhecidas como tempestades magnéticas ou irrupções solares, as tempestades são comuns na superfície solar. A nossa estrela é composta basicamente por dois elementos: hidrogênio e hélio, que possuem respectivamente apenas um e dois elétrons orbitando no núcleo dos átomos.

Enquanto o hélio é estável, assim como todos os elementos químicos que possuem um número par de elétrons na última camada de órbita, o hidrogênio é instável e, por isto, precisa se recombinar para manter a estabilidade.

Dois átomos de hidrogênio, no entanto, ao se fundirem, formam um átomo de hélio. Mais pesado, esta partícula mergulha em direção ao centro do Sol. O processo se repete continuamente e é o gerador das tempestades, que às vezes atingem a magnetosfera, região do espaço em que o campo magnético do astro é mais forte do que o campo magnético do espaço interplanetário.

As tempestades provocam os ventos solares, que interagem com o campo magnético dos astros que orbitam o Sol e transferem energia para a magnetosfera de cada um deles.  A frequência destas tempestades altera as dimensões das manchas solares – regiões da superfície solar com temperaturas mais baixas, que, em comparação com outras áreas, parecem ser mais escuras.

Em geral, as consequências são nulas, mas tempestades solares já provocaram auroras boreais e austrais em latitudes muito baixas, paralisação temporária de sistemas de telégrafos e, muito raramente, a paralisação da transmissão de linhas de energia (a última delas ocorreu em 1989, na Província de Quebec, Canadá).

Não existe nenhuma possibilidade física de as tempestades solares – com as consequentes explosões na superfície da estrela – provocarem a interdição da luz solar. Desta forma, a notícia sobre a Terra em sombras, que deve ganhar espaço nos próximos dias, é inteiramente falsa.