A pílula do câncer – A fosfoetanolamina

A fosfoetanolamina, princípio ativo da pílula do câncer, é um composto químico presente no organismo de diversos mamíferos. É uma amina primária fundamental para a formação da membrana celular e também apresenta função sinalizadora: ela informa o sistema nervoso sobre algumas situações pelas quais as células estão passando.

A fosfoetanolamina dá origem a outra substância, a fosfatidiletanolamina, responsável por normalizar o metabolismo oxidativo (o transporte e quebra dos ácidos graxos no organismo, que gera toda a energia usada pelo corpo humano).

pilula-do-cancer
A pílula do câncer, ainda sem registro (divulgação: USP)

Este mecanismo de quebra das gorduras ingeridas na dieta fica prejudicado nas células cancerosas. Teoricamente, a pílula do câncer faria com que estas células interrompessem a multiplicação desordenada, voltando a trabalhar normalmente, neutralizando os tumores.

A partir dos anos 1970, pesquisadores conseguiram desenvolveram um tipo sintético de fosfoetanolamina, com alegadas propriedades antitumorais: a substância estimula a apoptose, ou “morte celular programada”, atividade relacionada à regulação do tamanho dos tecidos.

Em pesquisas “in vitro” (com células humanas) e com camundongos portadores de leucemia, a substância foi estudada e demonstrou resultados satisfatórios, mas ainda não existem suficientes ensaios clínicos com pacientes humanos comprovando que a fosfoetanolamina efetivamente consiga combater o câncer.

A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ainda não concedeu nenhum registro para a substância e suas indicações terapêuticas e, desta forma, a prescrição e comercialização da droga continuam proibidas.

A pílula do câncer

O medicamento, ainda sem comprovação científica, está causando furor especialmente no Estado de São Paulo, onde foram desenvolvidos os primeiros estudos. Alguns portadores de câncer já entraram na justiça pelo direito de receber a pílula do câncer.

O composto químico começou a ser pesquisado por Gilberto Chierice, professor aposentado do Instituto de Química de São Carlos (IQSC), da Universidade de São Paulo. Mais recentemente, a substância foi apelidada como “pílula do câncer”.

A falta de ensaios clínicos sobre a fosfoetanolamina tem provocado desconfiado na comunidade médica, apesar da forte esperança que tem surgido entre os pacientes, especialmente os portadores de neoplasias mais agressivas, que progridem com celeridade, fato natural entre portadores de enfermidades terminais.

Para aumentar a polêmica sobre a fosfoetanolamina, a própria USP informa oficialmente que a pílula do câncer foi estudada como um produto químico e “não existe demonstração cabal de que tenha qualquer ação efetiva contra a doença”.

Os testes com células humanas foram desenvolvidos em tumorações na pele (melanomas), no pâncreas e nos rins. Células sanguíneas com leucemias também foram testadas. No entanto, não existem ensaios clínicos com pacientes humanos. Seja como for, a fosfoetanolamina inibe a capacidade de multiplicação celular desordenada, que está na gênese dos tumores.

Medicamentos atuais

As medicações contra o câncer que estão sendo desenvolvidas atualmente diferem dos tratamentos tradicionais, como a quimioterapia e a radioterapia, por atacarem especificamente as células cancerosas. Químio e radioterapia atingem igualmente todos os tecidos vizinhos ao tumor.

A pílula do câncer reativa a morte celular programada e estimula o sistema imunológico a eliminar as células do tumor. A grande dúvida dos pesquisadores é sobre os possíveis efeitos colaterais de médio prazo, que podem determinar prejuízos ainda maiores do que os determinados pela neoplasia.

Por outro lado, já é sabido que a fosfoetanolamina não altera as propriedades dos medicamentos tradicionalmente empregados para combater o câncer (o que indica que ela poderia ser adotada como tratamento complementar).

Nos ensaios pré-clínicos, a pílula do câncer tem obtido bons resultados. Estes ensaios abrangem três grandes grupos: farmacológicos, farmacocinéticos e toxicológicos. Nos primeiros, examina-se o potencial terapêutico do medicamento, seu modo de ação e possíveis efeitos secundários.

A farmacocinética fornece informações sobre absorção, distribuição, metabolismo, excreção, inibição (ou indução) enzimática e interação com outros medicamentos. Os estudos toxicológicos incluem a avaliação da toxicidade geral (aguda ou crônica), efeitos sobre a absorção de nutrientes, sobre as funções reprodutoras, etc.

A pílula do câncer já passou por duas etapas do procedimento científico: os estudos com animais e os ensaios pré-clínicos. No entanto, muitas substâncias que pareciam promissoras já superaram estas etapas mas tiveram de ser abandonadas, por perda da efetividade ou pela reprovação na análise de custos e benefícios para os pacientes.

Pílula do câncer – Idas e vindas

Em junho de 2014, a USP reforçou a proibição da pílula do câncer, cuja produção, de acordo com IQSC, “foi um ato oriundo de decisão pessoal” de Chierice. O Instituto, em comunicado oficial, afirmou que substâncias como a fosfoetanolamina só podem ser distribuídos com apresentação das licenças dos órgãos oficiais, como a ANVISA e o Ministério da Saúde.

Em outubro de 2015, no entanto, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) liberou a entrega da pílula do câncer a todos os pacientes que demandaram judicialmente o acesso à droga, depois de parecer do Supremo Tribunal Federal (STF), favorável à liberação da fosfoetanolamina.

A decisão baseou-se em uma das diretrizes da ética médica, segundo a qual todos os pacientes devem ser informados sobre tratamentos comprovados ou experimentais que possam oferecer a cura ou a minimização dos sintomas, favorecendo o bem-estar.

Em cerca de dois meses, o Judiciário paulista já recebeu mais de 1,5 mil liminares com pedido de acesso à droga. Para impedir um processo de judicialização, está sendo realizado um incremento à pesquisa com a pílula do câncer, para que os estudiosos possam concluir os ensaios clínicos.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) anunciou oficialmente, em novembro de 2015, a liberação de R$ 10 milhões para acelerar a pesquisa sobre a eficácia da pílula do câncer. O valor anunciado é considerado elevado para os padrões brasileiros, especialmente em um período de contingenciamento de verbas.

Ainda em novembro, um órgão especial do TJSP cassou todas as liminares que obrigavam a USP a fornecer a substância aos pacientes. O MCTI parece ter pressa e determinou que todas as autorizações para a realização integral dos estudos sejam concedidas em até 18 meses.

Fosfoetanolamina – Relatos de cura

Muitos pacientes testemunham ter sido curados de diversos tipos de tumores malignos com o uso da pílula do câncer. Estes relatos, no entanto, não têm valor científico; ao menos, não podem ser adotados como parâmetro único para a liberação da fosfoetanolamina.

Um dos grandes entraves para o emprego dos relatos não passa pela verossimilhança. Os pacientes que afirmam ter obtido a cura devem ter os seus testemunhos acatados pelos pesquisadores. O problema, contudo, persiste: não se trata de um dado objetivo.

É preciso analisar, com o emprego de critérios científicos, o universo das pessoas que tomaram a fosfoetanolamina. É sempre possível que, para um número X de curas, tenha havido um número cinco vezes superior de óbitos ou de recidivas.

Na terceira fase dos procedimentos para a liberação de uma droga, o número de cobaias humanas é sensivelmente superior e os pacientes são acompanhados por até três anos. Os dados colhidos são comparados com os de outras drogas também utilizadas para o combate ao câncer. Só assim, poderemos saber se a pílula do câncer é realmente a resposta para um dos males que mais afligem a humanidade.