A origem da violência

A natureza estabelece diversas regras para o desenvolvimento das relações entre as espécies e também de relacionamentos intra-espécie. A colaboração parece ser a regra principal: os indivíduos interagem – contribuem para alcançar um objetivo comum – e se integram – aumentam a região de controle, incorporando outros grupos ao núcleo central, garantindo um território pacífico e, por isto, mais produtivo. No entanto, a origem da violência parece estar intimamente relacionada ao início do comportamento gregário.

Além do homem, diversas espécies exibem comportamentos agressivos. Primatas superiores, baleias, orcas e golfinhos estabelecem territórios em que outros grupos não podem transitar – mesmo que em caráter migratório – e também estabelecem hierarquias rígidas, que devem ser observadas. Caso contrário, o transgressor é agredido, mutilado ou morto.

Desde as primeiras aplicações de ferramentas, o homem parece ter aliado colaboração e agressão. Uma pedra é útil para moer ou quebrar uma casca especialmente dura, mas também é uma bela arma par acertar a cabeça de um oponente. Um galho de grande extensão totalmente desbastado, formando uma haste fina de superfície lisa, é uma ajuda e tanto para colher frutas de árvores muito altas ou espinhosas, mas também pode espetar os olhos ou o ventre de um “colega” que queira partilhar o alimento sem ser convidado.

A violência social

Enquanto seres naturais, é aceitável o uso da violência na competição por alimento, abrigo e reprodução. Afinal, a lei da Evolução estabelece que os mais aptos – portanto, os mais bem adaptados às condições da região, e também os mais fortes – são os que conseguem se reproduzir e transmitir sua carga genética. Mas o que acontece quando o ser humano se distancia da natureza e começa a construir civilização e cultura?

A resposta inicial é a mesma: a disputa por territórios. Um grupo relativamente estável, habitando determinada região, tende a se tornar cada vez mais numeroso, condição que exige áreas maiores de coleta, pastoreio e cultivo do solo (foi nesta ordem que o homem se fixou e começou a construir as primeiras aldeias e cidades). Quando dois grupos humanos, ao ampliar suas colônias, se tornam vizinhos, a convivência quase nunca é pacífica.

O vocábulo “estrangeiro” possui a mesma raiz etimológica de “estranho”. Estrangeiros, forasteiros, em outras palavras, “o outro”, nunca são bem vindos e devem ser vistos com ressalvas. Os primeiros grupos humanos que se aproximaram não tiveram boas experiências. No Antigo Testamento, ainda no Livro da Gênese, é narrada a entrado o encontro de hebreus e heveus.

Peregrinos, Jacó – um dos patriarcas bíblicos – e seus filhos peregrinam por Canaã, procurando local para armar suas tendas (era ainda um povo seminômade, que vivia do pastoreio). Chegados ao território, Hamor, um dos principais da terra, avistou Dina, filha de Jacó. O texto diz: “tomou-a, deitou-se com ela e humilhou-a”.

Mas, continuando a narração, o moço parecia estar apaixonado por ela, a ponto de, quando informado de que as mulheres hebreias só podiam se casar com homens circuncidados, ter convencido seu pai e todos os outros homens a submeter-se ao ritual e formar um só povo.

Os filhos de Jacó esperaram que o período de dor mais violenta após a cirurgia (provavelmente, quando muitos estavam com inflamações e infecções) e atacaram a aldeia, matando todos os homens e saqueando os bens estocados.

Os grupos tendiam a ser endogâmicos, isto é, só se casavam e tinham filhos dentro de sua própria tribo. Felizmente, vários indivíduos descumpriram esta regra, porque, se a regra fosse estritamente seguida, qualquer gripe mais forte dizimaria a população, porque todos os habitantes teriam a mesma estrutura imunológica: um vírus que provocasse a morte de um, provavelmente destruiria a tribo toda.

A violência individual

E como se explica a violência individual, inclusive entre famílias? Novamente o Antigo Testamento ilustra, ainda antes do surgimento dos patriarcas. Filhos de Adão e Eva, o primeiro casal, Caim matou Abel por inveja. Os sacrifícios de Abel eram aceitos pelo deus local, enquanto os de Caim eram rejeitados, o que fez dele o primeiro homicida da história.

Os textos religiosos de qualquer povo são simbólicos e não devem ser interpretados ao pé da letra, mas são suficientes para demonstrar que os sentimentos de medo, inveja e raiva disparam a necessidade de prevalecer e, entre as origens da violência que faz dois indivíduos brigarem pelo mesmo campo de grãos selvagens, identificamos as mesmas causas na luta pelo poder político ou religioso (inicialmente, os dois poderes se confundiam).

Intrinsecamente, todos querem prevalecer e, logrando êxito sobre os adversários, existem dois caminhos: subserviência ou morte. Ocorre que, sempre que uma pessoa submete outra, esta desenvolve o sentimento de vingança, e cria-se um efeito dominó: o poderoso violento tende a ser aniquilado e substituído por outro poderoso violento, em qualquer instância – familiar, profissional ou nacional. quando alimentado por uma estrutura social perversa, a violência torna-se ainda mais exacerbada.

O ciúme, fonte de muitos crimes passionais, é uma forma de inveja: o ser amado não aceita a oferta de amor e fidelidade prestadas. Desordens mentais auxiliam a transformar o ciúme no motivo de um crime: em geral, as mulheres são as mais prejudicadas, porque psicologicamente são mais acolhedoras e tendem ao perdão, mesmo tendo sido agredidas várias vezes pelos homens que dizem amá-las.

A violência individual tende a se reproduzir, especialmente em grupos heterogêneos. É o caso de um distúrbio na rua, após um acontecimento qualquer. Recentemente, em São Paulo, um bando enlouquecido ateou fogo em ônibus, provocou caos no trânsito e muito pânico na população, a pretexto de vingar a morte de dois jovens.

Brigas entre torcidas (no Brasil, especialmente de futebol) parecem contagiar todo o estádio. Nestes momentos, o anonimato na multidão favorece as ações violentas.

Povos e nações tendem a reproduzir o comportamento de seus integrantes. Por isto, o homem precisa aprender a se despojar dos sentimentos que levam a violência, especialmente o orgulho, por ter obtido sucesso, e a inveja, por ter capitulado, sem conseguir ser bem sucedido, substituindo-os por sentimentos mais nobres, como a solidariedade, fraternidade e caridade, que, em resumo, são outros nomes para o maior dos sentimentos: o amor.