A história da cachaça

A cachaça – também chamada de pinga ou caninha – é produzida no Brasil desde o início do século XVI, quando Portugal estabeleceu o sistema de capitanias hereditárias para administrar a colônia. Dos 15 lotes doados pelo rei português, apenas dois apresentaram resultados positivos: São Vicente e Pernambuco. Alguns donatários (título dos gestores das capitanias) nem sequer vieram para o Brasil.

Os dois polos de colonização revelaram-se propícios para o cultivo de cana-de-açúcar (o açúcar era caro e raro na Europa do século XVI) e determinaram a introdução do sistema escravagista, com africanos – trazidos principalmente de Angola e do golfo da Guiné – forçados a trabalhar na agricultura. Durante a produção, os escravos colhiam os talos, espremiam-nos e cozinhavam o caldo em grandes tachos, até obter o melado.

Neste processo, um caldo mais grosso, conhecido como cagaça, inicialmente usado para alimentar o gado. A palavra é originada do termo cachaza, que servia para designar vinho de má qualidade, só usado para amaciar a carne de porcos e catetos. A palavra é provençal, idioma que deu origem ao português e espanhol. Os estoques de cagaça eram fermentados com a ação do calor e geravam um líquido de forte teor alcoólico: a cachaça.

Outra hipótese mais folclórica afirma que os escravos misturavam melaço velho (fermentado) com o melaço do dia. Isto provocaria a evaporação do álcool, que se condensava no teto dos engenhos e pingava no chão. A bebida escorria pelo rosto e atingia a boca. Por isto, foi chamada de pinga. Mas a bebida não chegava só à boca:

caía também nos ferimentos provocados pelos açoites, provocando muito ardor: por este motivo, também recebeu o nome de aguardente (ou água ardente).

No começo, a cachaça foi descrita na Europa como vinho de cana e só era consumida pelos escravos, indígenas e aventureiros portugueses e espanhóis que se aventuravam pelo sertão brasileiro. No entanto, a caninha progressivamente passou a substituir os vinhos e destilados trazidos do Velho Continente, especialmente em função dos custos.

O principal atrativo inicial da cachaça é que se tratava de uma bebida “limpa”, em contraposição ao cauim indígena, obtido a partir da fermentação do milho. Os nativos ingeriam a bebida, mas precisavam cuspir os restos de bagaço. A pinga, obtida durante o refino do açúcar, era totalmente líquida. O primeiro registro da bebida é de 1620, coincidindo com a produção de rum nas colônias britânicas, também obtido da cana-de-açúcar.

Entre os séculos XVI e XVIII, as “casas de cozer méis”, como eram chamados os alambiques, espalharam-se pelo interior de São Paulo e de Pernambuco, e por outras regiões, como Bahia, Minas Gerais e Pará. A descoberta de ouro e pedras preciosas atraiu muitos europeus e foi responsável pela fundação de diversos municípios mineiros, como Diamantina e Ouro Preto (nascida Vila Rica); a cachaça servia para amenizar o calor tropical ou, ao menos, era a desculpa adotada pelos garimpeiros.

A cachaça foi tão importante no período do Brasil Colônia que chegou a ser usada como moeda para a aquisição de escravos. A riqueza brasileira, no entanto, incomodou a Metrópole. Já no século XVII, a Coroa Portuguesa proibiu por diversas vezes a produção de cachaça, que atrapalhava os negócios dos produtores portugueses de vinho e bagaceira.

Mesmo assim, a cachaça resistiu e os impostos cobrados por sua comercialização e consumo foram a principal fonte financeira para a reconstrução de Lisboa, atingida por um grande terremoto em 1755. Foi criado até um tributo literário para a cachaça, com o intuito de financiar as universidades portuguesas.

A cachaça sempre teve uma imagem marginal, por ser associada a pobres e escravos. No entanto, nos últimos cem anos, as técnicas de produção e envelhecimento se sofisticaram e hoje existem 40 mil fabricantes no Brasil (cinco mil deles registrados oficialmente; os demais produzem a bebida artesanal). A bebida é exportada para diversos países. Desde 2011, o termo “cachaça” é utilizado exclusivamente para referir-se à bebida alcoólica produzida no país a partir da cana-de-açúcar.